Sobreviver para a Morte : A Fome
Contemplo minha heroica desgraça
Sentido a fome sem atenuante
Almejando o fim da estrada
A travessia é tão fatigante.
E me apego a qualquer fantasia
Que me alivia por um instante
A suportar o vazio aqui dentro
O ronco de dor em minhas entranhas
É esse vácuo espesso, meu lamento
De minha frágil existência tacanha
Percebo-me nessa circunstância
Arremessado sem ter escolhido.
O porvir é um abismo de esperança
De minha desventura sem sentido
Eu tentei comer com palavras
Mas nada disso preenchia
Um verso ao menos tentava, mas
A mão, a boca; e a barriga vazias.
E tempo disparava sem pressa
Eu clamava pra agilizar
Dasein, Dasein, Dasein!
À morte hei de chegar
A realidade bateu tão forte
Mais na carcaça do que na mente.
A sede da água do poço
Do meu corpo invisivelmente
O medo de não haver fim
O desespero por continuar
Com uma cova dentro do peito
Havia espaço, faltou-me o ar.
Era o arroz, era o feijão
Faltavam-me cobertas, a lenha
A labareda, outrora vida
Aquecia o meu ser em sua tenda
(...)As telhas quebram, caem ao chão
Meu mundo em dilúvio desaba.
Dobrei-me em lágrimas em desolação
A fome rugia, a penúria gritava
Em cima de mim, panelas vazias
Das frutas, as podres cascas.
A angústia não era o ocaso
Mas as duras rochas na estrada
Na fila do desemprego:
Escolher não era difícil
Não desejar era o desejo
O absurdo não era o suicídio
Quem em sã consciência
Prefere a fome
A um repouso vespertino?
Dasein, Dasein, Dasein:
Minha história em seu curso no tempo.
Levantou – se a mesa
Sem água, sem alimento.
Olhou-se o nada sem qualquer pesar
E libertou-se do tormento