Sobreviver para a Morte : A Fome

Contemplo minha heroica desgraça

Sentido a fome sem atenuante

Almejando o fim da estrada

A travessia é tão fatigante.

E me apego a qualquer fantasia

Que me alivia por um instante

A suportar o vazio aqui dentro

O ronco de dor em minhas entranhas

É esse vácuo espesso, meu lamento

De minha frágil existência tacanha

Percebo-me nessa circunstância

Arremessado sem ter escolhido.

O porvir é um abismo de esperança

De minha desventura sem sentido

Eu tentei comer com palavras

Mas nada disso preenchia

Um verso ao menos tentava, mas

A mão, a boca; e a barriga vazias.

E tempo disparava sem pressa

Eu clamava pra agilizar

Dasein, Dasein, Dasein!

À morte hei de chegar

A realidade bateu tão forte

Mais na carcaça do que na mente.

A sede da água do poço

Do meu corpo invisivelmente

O medo de não haver fim

O desespero por continuar

Com uma cova dentro do peito

Havia espaço, faltou-me o ar.

Era o arroz, era o feijão

Faltavam-me cobertas, a lenha

A labareda, outrora vida

Aquecia o meu ser em sua tenda

(...)As telhas quebram, caem ao chão

Meu mundo em dilúvio desaba.

Dobrei-me em lágrimas em desolação

A fome rugia, a penúria gritava

Em cima de mim, panelas vazias

Das frutas, as podres cascas.

A angústia não era o ocaso

Mas as duras rochas na estrada

Na fila do desemprego:

Escolher não era difícil

Não desejar era o desejo

O absurdo não era o suicídio

Quem em sã consciência

Prefere a fome

A um repouso vespertino?

Dasein, Dasein, Dasein:

Minha história em seu curso no tempo.

Levantou – se a mesa

Sem água, sem alimento.

Olhou-se o nada sem qualquer pesar

E libertou-se do tormento

Júlio Libânia
Enviado por Júlio Libânia em 08/09/2021
Reeditado em 20/01/2023
Código do texto: T7337520
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