É preciso, meu amigo, mostrar os dentes.

O passar dos entardeceres

E os desvairados desgastes da vida

Cuja invencibilidade desafia

O sorriso fácil

Este que, quando ouvia graça,

Saía escancarado pela boca

E que outrora se entregava fácil

É mais sorrateiro e criterioso

Porque cada vez mais sem motivo.

Porque no inconsciente a mesma voz alerta

Para que dívida nenhuma reste

Paga o que tu deve pra não ficar fodido

Assim se vai o sorriso

E deixa então seu lugar-tenente

A preocupação eminente

Em conseguir se manter vivo

Já não me preocupo mais

Se fumo um maço de cigarro

Se os dedos estão amarelados

E o semblante cinza

Vale mais que a comida esteja no prato

As contas pagas

E as vagas paixões

Em segundo plano

O bruto cotidiano pretendia

Levar minha alma

Concepções e princípios

Mas só tem conseguido

Levar o sorriso

Mesmo que por ora

Pois de teimosia tamanha

É que se faz um coração brasileiro

Que é alegre e arguto

Verve e enxuto

Mas ainda me vejo menino

Meu íntimo ainda ferve

Em saber que se pode mudar o mundo

E que, quando em São João,

Ainda no valão e no chão de terra

Eu era criança e sempre se achava uma fresta

Uma brecha pra dizer não

A exemplo disso

É preciso então

Como forma de negação

Mostrar os dentes

Àquilo e aqueles

Que nos dizem não

E todo meu amor e dedicação

À nossa gente!