CENTRO DE SÃO PAULO

Largo de Santa Cecília:

estação Santa Cecília.

Pessoas a entrar e a sair do metrô.

Formigas transitando em seus formigueiros.

Na igreja, pessoas, orações...

Deus?

Largo de Santa Cecília...

um homem vende pipoca, outro, doces,

um outro, sucos, refrigerantes...

um outro ainda vende etc... etc... etc...

saio... caminho...

dos dois lados da rua,

miséria...

mendigos com olhar de “não-dei-certo”.

Crianças com ar de “ vou me ferrar ”.

.. loucura! ... desespero! ... nada!

Ser pessoa, ser humano

e ao mesmo tempo nada!

Ter um nome que ninguém utiliza.

- “Não necessitamos de nomes”,

dizem pelo olhar...

- “Chame-nos do que bem quiserem”!

Ter dignidade

somente perante a constituição.

Mas de que nos serve

uma constituição-papel?

Ter um lugar no céu,

pois os lugares da terra já possuem donos!

Mas comida, ah comida...

algo mais importante do que as leis!

mais importante, no momento, que o próprio céu!

Comida! Comida...

O que possui, oh matéria orgânica,

contra essa gente que sofre,

que padece, que morre?

O que possui, oh bem precioso, contra esses humanos?

Não são eles filhos de Deus?

Não possuem alma?

Não possuem estômago?

Não sentem fome?

Não sentem medo?

Não necessitam de carinhos?

De palavras?

De gestos?

Até mesmo de simples olhares?

Caminho... caminho...

pois ainda tenho forças,

ainda tenho comida...

parece que Deus ainda gosta de mim.

Atravesso por baixo do Minhocão...

Mendigos! Lixo! Loucura!

Tristeza cristalizada...

por cima, velozes,

os carros seguem seus percursos

bem alimentados de gasolina,

óleo-diesel ou álcool...

embaixo, mendigos, loucos e marginalizados

bóiam no destino-carma,

muito mal alimentados

de lixo, vermes e álcool...

Minhocão!

Que face você me apresenta?

Viabiliza o caótico trânsito paulistano

e ainda esconde a escória,

a vergonha do povo desta metrópole.

Sigo... vou andando... sendo levado pelo tempo...

Largo do Arouche.

Prédios que escondem vidas e mortes...

alegrias e tragédias...

justiças e injustiças...

vejo um cinema de filmes pornográficos,

um hotel, uma padaria, um bar...

vejo trabalhadores apressados...

prostitutas e travestis vendendo seus corpos.

Meninos que correm...

uma velha senhora atravessa a rua.

Carros! Multidões de carros...

um segundo que alguém demore no farol

e eis a sinfonia das buzinas!

Impaciência! Ódio! Inconsciência!

Não me demoro no largo tão querido,

e vou deixando meus pés me levarem...

o tempo passando...

a vida esvaindo-se...

o conhecimento-experiência acumulando-se...

Rua do Arouche.

Lojas... vidas... mercadorias... gente!

Como esta gente é complicada,

mas como preciso desta gente!

Esquina com a Rua Aurora,

aguardo o sinal, e ele vem, mecânico,

mas sempre vem...

Atravesso a Rua... camelôs... lojas...

Metrô: Estação República.

Voltam-me as imagens das formigas,

e não me torno usuário-formiga...

sigo a pé... ao sol... humano!

Praça da República.

Dezenas de vidas... árvores... histórias...

tantas pessoas sentadas, pensando... pensando...

o que será que estão pensando?

Será que pensam na vida,

ou no desemprego em que se encontram?

Pensarão na família

ou na comida que anda arisca?

Pensarão em mulheres,

ou no clássico de amanhã?

Pensarão em algum furto,

ou no culto que irão mais tarde?

Pensarão em Marx, Sartre, Drummond

ou na loira-bunda do Tchan?

Pensarão no Gugu

ou no Faustão?

Na Xuxa

ou na Angélica?

No Guga

ou no Romário?

Pensarão em Deus

ou no Diabo?

Não sei...

caso pensassem em furto, não o realizaram...

Rua Barão de Itapetininga.

Lojas... muitas lojas... quanta gente!!!

O pão de cada dia está em jogo...

eu, que poderia ter sido doador de esmolas,

comprador de refrigerantes ou de pipoca,

platéia de filme pornô,

hóspede de hotel,

freguês de padaria ou bar,

contratante de programa com prostituta,

expectador de atropelamento,

ouvinte de palavrões e buzinas,

experiência de tempo e do destino,

usuário do metrô,

vítima de assaltante,

agora sou alguém que pode garantir

o feijão com arroz...

não importa de sou feio, obeso,

inteligente ou não...

não importa se gosto de literatura,

se amo a cultura,

se sou taubateano,

se creio ou não em Deus...

nada importa!

A não ser que de meu pobre bolso

saia alguns míseros reais!

Mas dele, os poucos reais que carrego

ainda não saem...

e vou, sendo observado,

talvez até insultado em pensamentos

ou até mesmo nem percebido, mas vou...

Praça Ramos de Azevedo.

O Teatro Municipal!

Um grupo de punk´s estão sentados

nas antigas escadarias...

entro e colho informações junto a bilheteria.

Música de excelente qualidade,

e gratuitamente!

Eis um alento: Mozart para meus ouvidos!

Saio...

das escadarias observo que os punk´s estão organizados,

com faixas nas mãos, solicitando uma sociedade mais justa.

Pedem o fim do capital e do neoliberalismo...

e mostram faixas com a frase:

“Brasil – quinhentos anos de sofrimento”

Concordo!

Chega uma viatura da Polícia Militar e sai um soldado

apontando o dedo para os manifestantes...

eles se reúnem e conversam com o Policial,

que se intimida,

entra na viatura e sai...

Observo...

e sigo.

Viaduto do Chá.

Que emoção ao passar por este local.

Parece-me até que conheço este lugar há séculos!

Sinto tanta saudade de tempos em que não me recordo

e nem sei se os vivi!

Vejo o Vale do Anhangabaú...

o Viaduto Santa Ifigênia.

Olho para baixo, e uma viatura da PM corre...

vejo um garoto com um cigarro de papel na mão

(talvez de maconha),

e sigo...um homem vende livros...

eu paro, olho, e eis um Drummond!

Pergunto o preço.

- “Sete reais”.

- “Não pode ser por seis?”

- “Pode”.

E saio do Viaduto do Chá mais rico,

levando comigo um livro do Drummond!

E sigo...

Praça do Patriarca! Rua XV de Novembro! Páteo do Colégio!

Entro. Um pedaço do muro ainda está lá!

Quanta história não há?

Saio, com a promessa de retornar em breve...

sigo rumo a Praça da Sé.

(Rumo a vida, a sabedoria...

e a mim mesmo!)

LUIZ ANTONIO CARDOSO

São Paulo-SP, 2001

LUIZ ANTONIO CARDOSO
Enviado por LUIZ ANTONIO CARDOSO em 03/02/2008
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