Traços de um povo

Não sou muito do ofício das rosas,

Tão pouco das palavras ternas.

Não me entrego às conversas prazerosas,

Às juras de amores, eternas.

Sou simples, rústico, mal humorado, antipático.

De toques, tantas vezes sem jeito, diante de todos.

Sou grave, da conversa mole, apático.

Com sentimentos, na maioria das vezes, tolos.

Não escrevo bem, mas sou teimoso.

Sou pobre de alma e ofício, sou preguiçoso, quase sedentário.

Nas conversas de bares, com amigos, presunçoso!

Em casa, na moldura de meu lar, solitário.

Sou o que poucos querem contato.

Não me entrego às mazelas da natureza, só sobrevivo.

Quanto às mulheres, me falta o tato.

Das palavras doces, me falta o convívio.

Cresci solitário, sem lar, sem caminho.

Sem palavra que me conforte.

Sigo a dor e desatino, sempre sozinho,

Aprendendo a ser dor. Nos teus olhos, ser forte.

Apanho dia e noite, da miséria instalada.

Apanho e apanho, sem trégua, sem descanso;

Sem um mínimo olhar de pena, sem nada.

Mesmo assim, não me vingo, sou manso.

Sou um monte de nada, um apanhado de trapos.

Sou a constância da palavra pobreza,

Em um corpo ausente, coberto de farrapos,

Lançado em praça pública, para ferir sua nobreza.

Mesmo assim, sou poesia.

Comparar-me aos que detêm o poder

É pura loucura, é heresia

Sou a ausência de todo o querer, e ainda assim querer.

Sou demente e sóbrio, velho e novo.

Sou presente, passado, quem sabe futuro.

Sou pedra no sapato, sou povo.

Só não sou guerreiro, por ser imaturo.

Revolucionário da vontade ausente,

De passos e idéias, um tanto intermitente,

Sou pessoa, nação independente.

Sou aquilo que o poder tem que ser temente.