Cálice

Descreio na vitória de batalhas sem vitória,

esse otimismo surreal não parece comigo.

Esse vitimismo excessivo não me comove nem um pouco

e esse comportamento lascivo não faz mais parte de mim.

Essa paixão voraz, esse veneno mortal

entraram na minha dieta como bebidas comuns.

Mais saboroso que vinho, mais normal que a própria água

me sustenta,

e sustenta a loucura que tenho dentro de mim.

Esse apetite mordaz que tenho por sentir,

que tenho por achar que faz parte do meu ser,

acaba-se sendo obsoleto, em minha forma de ver,

já que apetite assim a muito tempo morreu.

Sustento meu corpo, minha carne e meu coração

com sentimentos que sei que existem,

com emoções que não são minhas

e com experiência que já vi alguém viver.

Mas sei que de fato, tal façanha passa longe de mim,

desse buraco escuro e profundo que formou aqui dentro.

Escuto às vezes uma voz gritando lá dentro,

pedindo pra sair, cada vez em prantos mais altos.

Mas peço, cale-se! cale-se! cálice

De profunda agonia que transborda aqui.

E eu bebo na medida do possível,

pra que esses devaneios não morem mais em mim.

Por que você, choro sem som,

grito sem agonia,

pranto sem ritmo,

verso sem clamor,

soluço sem fim,

já não mais faz parte de mim.

Você está morto.

Eu te matei.

E mataria de novo.

Cale-se.