Alceste, o ocultista de Vilnius (Canto VI)

"A burst of frightful thunder seemed to convulse the universal fabric of nature; and, borne on the pinions of hell's sulphurous whirlwind, he himself, the frightful prince of terror, stood before them."

(P. B. Shelley, ST. IRVYNE)

I

Alceste acordou, desatinado;

Sua cabeça, devido à paulada, doía.

Constatou então que havia sido trancado

Numa cela exígua e que fedia

Insuportavelmente a bolor.

Aquele nauseabundo e encorpado odor

Suas narinas vinha a perturbar,

Fazendo-o tossir e espirrar.

"O que é este lugar tão deprimente?",

Nosso herói, estupefato, pensou,

Sem ao menos saber como lá chegou.

Tentou levantar-se, desajeitadamente,

Mas sem saber que Petras o amarrara,

Desequilibrou-se e caiu de cara.

II

"E mais essa, agora! Estou amarrado

Como se fosse um reles rufião

E numa asquerosa cela trancado

Após uma injusta condenação.

Como foi que tal coisa veio a ocorrer?

Crime algum lembro-me de cometer –

Na verdade, não lembro-me de nada

Desde que saí para a minha caminhada...

Minha Dalia irá se preocupar

Se eu deixá-la por muito tempo sozinha

E sem dar a ela qualquer notícia minha...

Além disso, aquele idiota pode voltar

E algo cruel a ela pode fazer,

E não estarei lá para a defender..."

III

Mais uma vez tentou se levantar;

Porém, outra vez, sucesso não conseguiu.

Novamente veio a se desequilibrar,

Mas desta vez de costas caiu –

De modo que pôde examinar melhor

O lugar em que estava. Cheio de horror,

Pôde ver que sozinho não se encontrava:

Um vulto lentamente avançava,

Com passos trôpegos, em sua direção.

"Que figura macilenta e horrorosa!

Para meu bem, espero que seja amistosa...",

Pensou nosso herói; seu coração

De modo agitado e incessante batia,

Certo de que, em breve, morreria.

IV

Mas eis que, para a sua surpresa,

A figura ao seu lado se ajoelhou,

E com o máximo de gentileza

As mãos e os pés de Alceste desatou.

Tão logo pôs-se nosso herói de pé

Seu companheiro pôde ver quem é:

Era um velhinho, baixo e atarracado,

De aparência frágil e muito mirrado.

Apesar de sua figura alquebrada

(Que os maus-tratos e o cativeiro lhe dera),

Olhando em seus olhos Alceste percebera

Que a intenção daquele senhor era honrada;

Seus olhos azuis de bondade refulgiam,

E aos de Dalia muito se pareciam.

V

"Foste privado de tua liberdade

E preso aqui estás injustamente,

Mas também ser privado da mobilidade

É ainda mais desnecessariamente

Cruel; mas vindo de uma mente perversa

Como a de Petras, coisa diversa

Não esperava. Melhor se habituar

Com as tuas novas acomodações,

Pois todo aquele que adentra estas prisões

Apenas morto daqui sairá!",

Exclamou a Alceste o pobre senhor,

Sua voz cheia de tristeza e amargor.

VI

"Obrigado por me desamarrar

(E por estas palavras tão animadoras),

Mas de modo algum ficarei a esperar

Até que se esgotem todas as minhas horas

De vida para sempre aqui trancado!",

Respondeu Alceste ao velho, exasperado.

"Num modo de escapar pensarei

E àquele imenso bufão ensinarei

A não perturbar mais ninguém novamente –

Nem que para isto eu deva matá-lo

E de volta ao Inferno enviá-lo!

Só ao imaginá-lo, fico doente;

Minha pobre Dalia está sofrendo...

Sob o jugo dele está padecendo..."

VII

Ao ouvir este nome, estupefato,

O velho a Alceste replicou:

"Tenho uma filha com este nome exato!

Dela aquele maldito me separou

Quando sua união não autorizei.

Muitas vezes de casa eu o enxotei

Mas sempre retornava, insistente.

Um dia, quando pensei que, finalmente,

De incomodar-nos se cansara,

Numa emboscada me encurralou

E de modo covarde me nocauteou,

E logo após nestes portões me trancara!

Nunca mais vi minha filha desde então,

E isto agoniza-me o coração."

VIII

"És tu o velho Martynas?", Alceste indagou.

Ao ser pelo nome assim chamado

Por alguém que seu caminho nunca cruzou,

O velho respondeu-lhe, bastante chocado:

"Sim! Mas, ó estranho, quem é você?

De onde vieste a me conhecer?

Mais importante, diga-me também:

Que relações com minha filha mantém?"

"Prometo contar-lhe uma outra hora,

Mas saiba que amo tua filha ternamente

E sempre a tratei muito cortesmente

Desde que a conheci. Agora,

O que importa é fugirmos deste lugar,

E tudo o que disse ela irá confirmar."

IX

Por um segundo Martynas refletiu,

E antes de a Alceste responder

De forma sincera, mas sofrida, sorriu.

"Se Petras resolveu o perseguir e o prender

É porque há bondade em teu coração

E é provavelmente boa tua intenção.

Em tua palavra eu irei confiar

E agradeço-lhe por de minha filha cuidar

Enquanto estive dela separado,

Tratando-a com zelo e gentileza

E retribuindo de seu amor a pureza!

Se deste cárcere ver-me libertado,

Tua história em detalhes lhe perguntarei,

E a ti e à minha filha abençoarei."

X

Alceste perscrutou a cela inteira,

Procurando algo que o pudesse ajudar

Em sua fuga de qualquer maneira,

Mas nada de útil veio a encontrar.

Cada vez mais frenético e agitado,

Desistiu e sentou-se, desesperado:

"Com todos os diabos! Sou um ocultista,

Não um fugitivo ou um mágico escapista!

Como pensarei num modo de fugir?"

Foi aí que uma nesga de luar adentrou

O recinto, e Alceste a contemplou.

Subitamente começou a rir;

Sua mente, com o luar, se iluminara

Com algo vital que até então olvidara.

XI

"O que achaste de tão engraçado?

A insânia já está a lhe afetar?",

Perguntou Martynas, embasbacado.

Alceste então parou de gargalhar

E respondeu-lhe: "Oh! Não é a insanidade!

Rio por estar alegre de verdade!

Dentro em breve daqui escaparemos

E o que nos é prezado recuperaremos!"

Com uma lasca de pedra na mão,

Um estranho símbolo no chão desenhou

E um encantamento sobre ele murmurou.

Para a surpresa de Martynas, então,

Um pequeno estalido ele ouviu,

E a porta da prisão se abriu.

XII

"Como isto que acabei de ver é possível?",

Disse Martynas. "Estarei sonhando?

Explique-me qual é o poder incrível

Que tens, ou diga se não estou delirando!"

"O que viste é real", Alceste assegurou.

"O prodígio que agora se realizou

Deu-se por intermédio do gênio lunar,

Que pode todas as portas destrancar.

Uma explicação por ora lhe deverei –

Preciso partir neste exato instante.

Resgatar Dalia é o mais importante.

Para buscá-lo mais tarde voltarei."

E, assim, partiu. "Boa sorte lhe desejo",

Gritou-lhe Martynas, "ó mago benfazejo!"

(NOTA: Se algum de meus leitores estiver passando pelo mesmo problema de meu Alceste e deseja saber sobre o símbolo do gênio lunar por ele desenhado, remeto-lhe à página 197 da Clavícula de Salomão.)

XIII

Após encontrar a saída do porão,

Alceste foi andando sorrateiramente

Até que se viu defronte ao saguão

Da gigantesca mansão decadente.

Se habitada por alma mais virtuosa

Seria uma residência bela e suntuosa,

Mas sendo de Petras a moradia

De seu dono o estado refletia:

A mobília estava coberta de poeira,

Como se há muito ninguém a espanasse,

E para onde quer que Alceste olhasse

Reinava a desordem e a sujeira.

"Um chiqueiro bastante apropriado

A um porco daqueles!", pensou, enojado.

XIV

Alceste não sabia por onde iniciar

A busca por sua amada Dalia;

Havia muitos quartos a perscrutar

E, dada a ocasião, não poderia

Examinar um por um calmamente –

O tempo corria rapidamente,

E temia que Petras pudesse aparecer

E os seus planos de fuga perceber.

Seus pensamentos foram interrompidos

Por uma voz doce e melodiosa

Cantando uma canção triste e maravilhosa

Que o acalmava e lhe deleitava os ouvidos.

A voz de Dalia ele distinguiu,

E à fonte do som, ávido, seguiu.

XV

À medida que se aproximava

Do quarto de onde a música saía,

Mais clara e distinta a voz ficava,

E o coração de Alceste batia

Cada vez mais e mais agitadamente,

Pois deveria agir rapidamente.

Suavemente na porta bateu,

E de lá de dentro a voz lhe respondeu:

"Já não basta como uma refém me tratar,

Daqueles a quem amo me tirando

E incessantemente os maltratando,

Agora queres-me proibir de cantar?

É o único consolo que tenho por ora!

Já tens teu casamento; vá embora!"

XVI

Vendo que era de fato Dalia,

Alceste de pronto a porta abriu.

"Jamais nesta vida lhe proibiria

De encantar-me os ouvidos!", sorriu.

Notando que havia se enganado

E com o coração extasiado,

Aos braços de Alceste ela pulou

E com a voz embargada lhe falou:

"És tu, meu Alceste? Oh, meu coração

Alivia-se dum peso monumental

Vendo que não lhe ocorreu nenhum grande mal

E que de Petras está salvo e são!

Mas, por mais que queira daqui agora escapar,

Meu pai ainda está aqui, em algum lugar..."

XVII

"É maravilhoso reencontrá-la

E ver que não foste violada ou ferida!

Deste horrível lugar vim salvá-la...

Tranquiliza a tua alma, minha querida!

Este pesadelo em breve acabará

E nossa vida juntos voltará

A ser livre de qualquer preocupação

E principalmente de qualquer vilão.

Nas masmorras teu pai está aprisionado –

Antes que Petras venha a nos descobrir,

Rapidamente para lá devemos ir,

E então tudo estará finalmente acabado;

Desta casa infernal escaparemos

E para bem longe dela correremos!"

XVIII

E, assim, certos de que logo acabaria

Aquele pesadelo tétrico e infernal,

O destino outra vez lhes mostraria

Que estavam equivocados, afinal.

Ao saguão principal da casa chegaram

Quando um assustador estouro escutaram

E o que mais temiam aconteceu –

Com uma pistola, Petras apareceu

Encarando nosso herói ameaçadoramente.

"Dalia!", gritou Alceste. "Vá por ali;

Não lhe é seguro ficar aqui."

Após hesitar um pouco, rapidamente

Correu às masmorras, deixando para trás

Os ferozes e obstinados rivais.

XIX

"Para convosco tentei ser clemente",

Disse-lhe Petras, "mas me decepcionaste –

Uma peste incômoda e insolente

É o que no final te revelaste.

Como um rato se esgueira em meu lar

Com o intuito de minha noiva roubar

Mesmo depois de haver-lhe proibido;

Julguei que havias me compreendido

Quando disse que ninguém se opõe a mim

E que deveria afastar-se de Dalia

Já que por direito a mim sempre pertencia!

Chegou a hora de fazer, enfim,

O que devia fazer desde que o encontrei:

Este mundo, ó escória, de ti limparei!"

XX

Em direção a Alceste ele arremeteu

E com força pelo pescoço o segurou.

Muitos bofetões em seu rosto lhe deu

E quase inconsciente no chão o atirou.

Percebeu nosso herói, todo ensanguentado,

Que seu oponente havia subestimado –

Era lento, e longe do peso ideal,

Mas compensava-o na força descomunal.

Quando tudo, enfim, parecia perdido

E Alceste não conseguia mais levantar,

Sentiu uma forte vontade de chorar.

Foi derrotado por aquele bandido

E resignou-se ao fato de que morreria

E a todos que amava decepcionaria.

XXI

Petras, feito um maníaco, gargalhava

Cheio de ódio e maldade, triunfante,

Enquanto a arma à cabeça de Alceste apontava,

Mas veio a se distrair por um instante

Quando o anel que ele portava na mão

Faiscou, chamando-lhe a atenção.

"Ora, ora! O que é esta preciosidade?

Se queres que diga-te a verdade

A acho bastante indigna do dedo teu –

Mas já que brevemente haverei de matá-lo,

Não te importarias se de ti fosse tomá-lo

Como um merecido prêmio, não é, plebeu?"

Em seguida, o anel de Alceste tomou

E em seu gorducho dedo mínimo o colocou.

XXII

Mas seu triunfo em pavor se transformou

Quando um fantástico acontecimento

Diante de seus olhos se desenrolou,

E seu sangue gelou-se naquele momento:

Surgiu, do nada, um enorme rosto flutuante

Envolto numa espessa barba flamejante,

Que falou-lhe, numa voz possante e espectral:

"Tua alma está apodrecida pelo mal,

O que o torna indigno de portar

Este anel! Vê-lo sendo tocado por tua mão

Traz desonra ao nome da organização

Que há séculos passados vim a fundar!

É chegada a hora! Deves, enfim, ser punido

Com o teu castigo tão merecido!"

XXIII

Tendo dito isto, o rosto se desmanchou

Em centenas de fagulhas incandescentes.

Cada uma delas pela casa se espalhou,

Logo envolvendo tudo em chamas ardentes.

Uma delas em Petras veio a pousar –

Desesperado, começou a gritar

Enquanto, sem qualquer sucesso, tentava

Apagar o fogo que se alastrava

Por seu corpo com uma avidez devoradora.

Afinal de lutar em vão desistiu

E às fantasmagóricas chamas sucumbiu,

E a visão que seguiu-se foi aterradora:

Petras até a morte fora carbonizado,

Mas o anel em seu dedo fora preservado.

XXIV

O choque daquela cena passado,

Alceste levantou-se, zonzo, lentamente,

E tomou seu anel do dedo deformado

Do corpo enegrecido e repelente.

Dalia reapareceu, assustada,

De seu pai, agora liberto, acompanhada:

"O que é isto, Alceste? O que aconteceu?

Ouvimos ruídos! E Petras, morreu?

E por que a casa está pegando fogo?"

"O vilão está morto", respondeu, "e não mais

Poderá perturbar nosso amor e paz;

Mas precisamos sair deste lugar logo

Ou em meio às labaredas pereceremos

E o mesmo destino dele seguiremos!"

XXV

Todos os três, então, de pronto correram

À porta que levava à saída da mansão,

E por ela com tanta força irromperam

Que com um enorme baque veio ao chão.

E contemplando aquela odiosa moradia

Que agora, envolta em chamas, ruía,

Os três sorriram, felizes e aliviados;

Seus sofrimentos todos eram acabados.

Dalia os lábios de Alceste beijou

E Martynas, como nunca antes contente,

Abençoou os namorados efusivamente.

E, assim, de volta ao lar o trio rumou:

Exaustos, mas sempre a rir e a brincar,

Pois ninguém, nunca mais, os iria separar.

XXVI

No dia seguinte, qual não seria

A surpresa de toda a população

Ao descobrir que Petras já não mais vivia

E que sua casa esboroara até o chão!

Ninguém com certeza pudera explicar

O que acontecera naquele lugar,

Mas, unânimes, acharam merecido

O fim daquele homem vil e corrompido.

Uma lenda urbana então se criou

(Na falta de uma explicação plausível

Todos se contentam com um mito incrível)

E por todo o país ela se alastrou:

Petras, em sua maldade, o diabo superara,

E este, invejoso, sua casa incendiara.

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 30/04/2018
Reeditado em 14/05/2018
Código do texto: T6323293
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.