Depressão vampirica

Desperto dentro de um mausoléu em meio ao negrume da noite;

E a insônia se alastra pelas minhas veias com seu fétido aroma de cafeína estragada.

A ânsia revira-me ao avesso e sinto cada átomo que preenche o meu corpo se contorcer em meio a uma fome avassaladora.

Minhas entranhas pulsam um estranho apetite pela vida, pois a morte que deita sob mim se apaixona por ela todas noites.

Mas jamais hei de tê-la.

Apesar disso, anseio o rubor da vida, que contrasta a palidez mórbida de minha pele;

E desejo o sol que me aniquila mediante a menor exposição.

Assim como almejo teus sucessivos nascimentos que sangram a aurora todas as manhãs.

Ah, o sangue, líquido nostálgico que deleita-se por entre as veias da vida.

Torrente tépida que faz-me lembrar de quando ainda o pulsava em meu corpo, momentos antes da doença vampirica suga-lo e consumir minha natureza.

Agora as sombras desta doença tornam-se gradativamente inerentes aos moldes obscuros da minha existência.

Misturei-me a ela e sinto-a definhar o meu corpo durante a luminosidade diurna, enquanto isolo-me na penumbra - a fugir da luz - buscando o sono no mais fundo de mim.

Durante esta noite encontro-me demasiadamente desperta e procuro a medicação para que sane tal fome por vida.

Então ressucite-me, ó amarga substância, quando surtires algum efeito - Mas tu nunca o faz -

Circulo os olhos por entre a eternidade, e concluo que ela só é suportável através do amor.

Então fito o homem que adormece ao meu lado e anseio sugar a vida que o enrubece enquanto cicatrizo tuas feridas.

Nutro o ensejo de sorver tuas chagas para dentro de mim.

E assim inflamar em teu lugar.

Hei de estender a imortalidade através de seu amor tão efêmero quanto a tua vida.

Pobre criatura mortal, que atravessou a crosta escura que me cegava, e abraçou meus espinhos enquanto esvaia-se delicadamente dentro do ermo de mim.

Em vão tentei trancafiar-me na noite para não feri-lo; mas ele a atravessa para dormir ao meu lado, expurgando a dor que outrora me causaram.

E todas as noites dilacero o seu coração, tal como embebido foi o meu em noites frias como esta.

Afasto-o para longe até que eu encontre a cura, mas ele exala teu sono poético para acalentar minhas noites em claro.

Ele sangras quando invado os seus pesadelos e seduzo tua alma.

Ele mergulha no azul triste dos meus olhos e sai banhado pela visão escura das profundezas celestes; donde as estrelas já se apagaram.

Mantenho o mortal distante

E ele adormece eterno a espera da minha ressureição.

Observo-o ao meu lado e desejo que não estivesse aqui a respirar no mesmo cômodo que eu.

Tua vida nutre-me, mas quem irá nutri-lo?

- Já tornei-me eterno em ti.

Diz o homem obcecado pela minha natureza e tomado pela mesma doença do qual fui acometida.

Gradativamente o vejo sumir dentro de si; e atravesso sua escuridão, que outrora fez todos fugirem.

Ó doença usurpadora, tu que roubas o meu lugar na terra.

E se mistura a minha existência.

Vejo a morte como algo que dilata a apagar cada pulsão de vida;

- como um coração reverso que bombeia o fim para cada parte de mim -

Mas o fim ocorre todos os dias quando o sol se põe, e embora o sinta em mim, ele nunca me dissipa por total. Pois fui condenada pela depressão - a vagar como morta-viva -

E não sou tua vítima, mas reluto para que ela não engula minha natureza; e junto dela a do homem que adormece ao meu lado.

Sinto a melancolia em tua mais sublime forma;

Sem lamenta-la, pois com ela

aumento as dimensões da minha alma; e faço a lapidação de meus diamantes internos.

E não me tornarei o reflexo vampirico de quem me feriu.

Inda que ele venha luzir minhas noites em claro, através duma luz que tão pouco é sua.

Então afaste-se de mim, ó lua do passado.

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 27/01/2021
Reeditado em 07/06/2021
Código do texto: T7170294
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