Poética - Aracnofobia

No fulgor noturno sinto-a

andar sobre o meu arcabouço

com tuas inúmeras patas.

A aranha grotesca de pelos

eriçados, faz-me tua presa

revestindo-me por dentro

para que eu não fuja.

Enrolo-me entre a delicadeza

exposta dos lençóis que

guardam a minha solidão.

E anseio nunca mais fitar a

luz do dia.

O aracnídeo embala-me em tuas

toxinas, de modo a afastar qualquer

ser que me ame ou um dia o fez.

Teus múltiplos olhos censuram

qualquer fagulha metafísica que

poderia me acalentar em noites

como esta.

Vou me liquefazendo nos cativos da criatura que definha-me para por fim se alimentar da minha alma.

Observo-me através de seus olhos monstruosos, e fito o traço fantasmagórico do que um dia foi um rosto.

Tento me mover, mas a criatura já teceu tua substância em minha medula.

A aranha envenena-me com um pérfido descontentamento infundado; e procria em minhas feridas.

Sinto a depressão encarnada neste pequeno animal sorrateiro. Dizem que ela só ataca por defesa.

- Ora, seria a minha sede por vida, uma espécie de ameaça ao meu lado fúnebre?

O paradoxo habita-me e ameaça dilacerar minha natureza. Então deve ser por isso que sinto o formigamento em meus membros.

Oh céus, são pequenas aranhas correndo em minhas entranhas. O aracnídeo botou teus ovos

em meu ninho de angústias.

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 02/02/2021
Reeditado em 03/03/2022
Código do texto: T7174255
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