Poética - Alegoria da caverna: Lilith
Durante o apocalipse do tempo,
fui expulsa do paraíso dos homens, donde toda a luz do universo era sufocada perante a penumbra das ilusões humanas.
Os mistérios da vida pereciam sob imagens turvas; e todos os suicidas jaziam tácitos e encavernados no Jardim das lamentações.
Um lugar situado por entre os cais celestes da desordem mental, cavado pelas chagas mais fundas do abandono e regado pelos
murmúrios (...)
As almas cativas encontravam-se em perene estado paradisíaco. E mesmo nuas não se enxergavam, pois as sombras da realidade encobriam seus corpos ébrios com a ilusão da sobriedade.
Ah, no jardim das lamentações, nenhuma lamentação era ouvida, já que a luz paradisíaca das almas cativas cegava os suicidas e os levava ao seu próprio inferno.
- E de que adiantarias toda a droga farmacêutica que germina na árvore patológica de um jardim pútrido?
Ao revoltar-me contra as correntes
da vida; fui condenada a viver em meu próprio abismo, procriando junto aos meus demônios internos.
Assim povoamos a terra com criaturas sórdidas e reveladoras.
De minha cópula interior nasceram poesias taciturnas, pequenos diabos líricos que até hoje vagam a nutrir-se das almas perdidas, vertendo-as em asas para os meus arcanjos.
E quando perguntarem quem sou, eu direi:
- Eu sou a solidão de cada Adão que na terra pisastes, aquela separada do barro que compõe tua carne, e lhe mostra a frígida anatomia de sua própria presença solitária.
Sou a deusa do meu próprio inferno mental, e vivo a sussurrar a filosofia nos ouvidos dos moribundos, para soprar-lhes o último suspiro de vida.
Sou a essência feminina renegada pelo medo.
E quando perguntarem como sobrevivo em minhas dores que povoam a terra, direi:
- Ora, não vês que a cada dia 100 demônios em mim perecem para que eu possa continuar a viver com uma alma demasiadamente fértil?
E assumo os meus pecados -
Abandonei todos os que ousaram me amar sem antes entregar-me a própria alma.
Quando sentires a realidade queimar tuas vísceras; serei eu, a rainha da noite; a que rege os sete arcanjos da liberdade, convocando-te a retirar-se de suas próprias ilusões.
Sussurrarei no mais fundo da tua alma: "Para crescer e chegar ao céu, tu deves primeiro criar raízes que penetrem teu próprio inferno."
Deves abraçar os teus demônios e exilar-se dos falsos paraísos.
Sob tuas crises de ansiedade mais fortes, serei eu tal qual serpente lânguida a rastejar tremente no fundo da tua alma.
E antes de entregar-se ao pecado,
lembre-se que a mesma forma que liberta-te dos falsos paraísos, podes levar-te a morrer precipitadamente, eis que sou a melancolia vindoura fustigada pelo fruto amargo da vida.