O gato preto

Há um gato preto em minha janela;

teu miado é a sinfonia que ecoa da solidão de cada um de nós.

Na boca ele traz o suspiro agonizante de uma ratazana que outrora roeu meus pensamentos nos becos perdidos da vida.

O felino molda-se pelo olhar, pois teu corpo mistura-se e se perde junto ao negrume da noite.

Já a tua silhueta funde-se ao âmago do meu pranto, e juntos escurecemos, argutos e distantes.

Teu ronronar é o rouco chamado que nos convida a olhar para dentro.

És a voz dos incompreendidos suprimida dentro dos mistérios, tal como um ruído mentalizado.

Ele mostra-me que fomos deixados

no escuro de nós mesmos, e que se caso atravessássemos a janela, seríamos apedrejados por ser quem somos.

Tua pelugem integra as formas mais puras de ser, e elas luzem ocultas dos olhos alheios.

Somos nós oh solidão, trancadas no infinito de um quarto, pois só tu me abraças em plenitude.

O gato que espreita-me, carrega todas as sombras do mundo; nele a humanidade projetou os males que ela mesmo criou.

E por mais que tentem mata-lo, ele renasce com o dia, tal como os suicidas que renascem de seus erros mais belos e sublimes.

Este é o gato que habita as entranhas dos que abraçam a solidão; somente nós entendemos teu retraimento e mistério.

Somente nós escutamos o silêncio.

Ó predador das sombras, tu podes se espreguiçar em meio aos mistérios, espraiando-se pelo espaço-tempo. E sob a noite mostrar o que todos tentam silenciar em ti.

Mostre-nos a matéria escura do universo, já que a maior parte dele nos é desconhecida.

Ó gato, vejo-me em ti, e tal como tu,

meu único dono é o tempo.

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 16/02/2021
Reeditado em 03/03/2022
Código do texto: T7186034
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.