Cicatriz

Na carne, crava o espinho

Da dor que atravessa os ossos, definho

O pranto dá boas vindas ao meu castigo

Aos pés da vida, com lágrimas, mendigo

Não se teme, na decadência, arder

Quando nada, mais nada, tem-se a perder

As flores do jardim encontram-se ressecadas

Seu perfume evanesceu, suas cores são desbotadas

A rosa branca está morrendo de tanta tristeza

De seus botões esvaem suas pétalas e sua beleza

Não adiantou na escuridão me refugiar

Pois a desgraça, em minha casa, foi me buscar

Sem forças caí, em angústia me rendi

No chão, em desespero, pedi

Mas minha súplica ofegante não foi ouvida

Do meu choro, do meu soluço, não teve pena a vida

Duas vezes caí

Duas vezes pedi

Duas vezes chorei

Duas vezes sangrei

De seu vôo gracioso caiu o beija-flor

Seu corpo pálido, padecendo de dó e dor

As raízes e o verde, perdeu o gramado

O solo é agora, seco, estéril e arrasado

E eu que vivia a versar em meus campos coloridos

Ando agora no deserto, em seus rumos áridos e feridos

Sei que não adianta gritar, por isso, ando calada

Às vezes penso ver cores, mas é apenas paisagem desbotada

O sol, do alvo céu, sorri seu sorriso incandescente

E eu também extraio um sorriso da minha face doente

Não sei como, por quê, nem até quando,

Mas sei que preciso continuar andando

A lua vela o sono da sua filha, em seu esplendor

Seus olhos a iluminam, enquanto ela dorme nas trevas e na dor

Desde a minha origem, vivo como se já tivesse vivido

Minha vida não passa de um filme mudo e repetido

Por isso, não sei se temo o infortúnio ou o glorifico

Às vezes, até alegre com sua presença, eu fico

Muito, pelo inferno, vaguei

Muito, à beira da loucura, sozinha, fiquei

Muito perdi,

Muito adoeci,

Muito chorei,

Muito sangrei

E mesmo assim, muito à vida, agradeço

Dela não guardo rancores, com ela, não me aborreço

Pois antes de me presentear com sua cilada

Em muito ela já me fez realizada

Antes de me fazer chorar,

Antes de me fazer sangrar,

Muito ela me ensinou,

Muito, devo a ela o que sou

Muito, por campos cheirosos e floridos, andei

Muito, seus aromas e sua beleza, cantei

Tempo que hoje lembro-me com saudade

Relíquia que a vida me deu, carregarei à eternidade

Graças a ela, por um momento, fui feliz

Dela, carrego sua marca, minha doce cicatriz