Para os poetas de minha tribo no Recanto

1.

uma fonte une poetas,

alimenta moinhos,

movimenta monjolos,

e se der sorte, traz à luz

um poema de vento

ou de água

ou de fogo, essa fonte,

ferro incandenscente de marcar cavalos,

seu nome: desassossego

2.

cavalo marcado em brasa,

inserido à força na manada ganha rédeas,

a não ser que se rebele, corcoveie, fuja

(para onde?)

marcado pelo desassossego,

o poeta,

rebelde de nascença, inconformado,

nasce sentindo-se à parte,

mas queira ou não, mesmo sem pertencer

é parte do rebanho

porque ser poeta não é ser louco,

nem tampouco ermitão,

o poeta, ao mesmo tempo,

estrangeiro e gregário,

quer compartilhar, quer leitor (es)

se o poeta, ser estranho

no seio do rebanho,

não pertence,

solitário lobo uivando

nas estepes da poesia.

3.

desaparece a inspiração,

período da entressafra,

quando parece, nada mais irá brotar

ainda assim me recuso a esquecer a sina,

ser poeta, minha benção,

minha maldição.

e eu que tanto brigo,

na poesia sou à baila,

a mercê das mercês,

que pelas bençãos, existem.

4.

se hoje é domingo, e amanhã será segunda,

como se domingo fosse a primeira... e seria?

não sendo assim linear nem há primeiras,

e hoje domingo, tempo de devassidão e embriaguez,

eras de fernando pessoa e guimarães rosa

e embora hoje seja eu escuridão,

me agarro à clarice,

raio da lua perdida

nos vapores da cidade

e então, me afirmo lunar,

nesta invernada lispector do verão

5.

sendo lispector e clarisse,

sou pessoa e guimarães,

sou ninguém