Visita à Ìndia

1.

erra no barro

na chuva divaga

bosta de vaca

a natureza

infância muge

rebanho passa

e a alma

lavando a sola dos pés

apaga

pegadas da terra

2.

compra pão

frita linguiça

o sol à janela brinca de lua

degusta sabor

cheiro

tempero

a textura do texto

temperaturas

vivo comprovo:

criar a ocasião não mata

a fome

e ao contrário, alenta

3.

no temp(L)o

camadas e eras

vigiam o silêncio

vela pinturas

4.

contemplo

silêncio

velado

5.

crianças jovens maduros velhos

gente gente gente,

a multidão

brilho vermelho laranja azul verde amarelo

eeeeeeeeeeee

de qualquer cor

corpo e brilhos brilhando em corpos

manchas pigmentos temperos

cheiros estranhos estrangeiros degustam

mango shutney

6.

esculpidas na montanha

imagens aguerridas

fingem o sono

simulam esculturas

brincando de estátuas

inertes

só fingem

gárgulas vigiam

guardiãs da estrada e fortaleza

peregrinos passam

passamanas desfiam

morrendo de medo

7.

inesperadamente no nepal encontra

o mestre

aquietada

para e o vê

o impacto

olha e vê nele

o olhar atento que a atesta

que a afirma

quantos os mestres ali? milhares?

naquela roda?

e os de lá fora?

para além das montanhas?

para além dos riso e do mar?

para além da infância e juventude?

para além da personalidade?

no continente espaço-tempo

do poeta,

o mestre

dádiva sem palavras

lágrimas gratas

8.

na rua homens e mulheres

agachados

entre potes e pigmentos

tons sons cheiros e cores

imagens e gostos musicais

táteis

em cada humano o terceiro

olho

mãos tecelãs

9.

nua de saber

chega

quase sem desejo

mas aflita,

assim não se suporta

busca o capote

vestindo capote sobre capotes

verde militar

percorre a índia milenar:

ruas apinhadas de autos

businas furibundas

barcos silenciosos apinhando rios

o coração pede

silêncio vazio

memória vazia

avistados no horizonte

silêncio vazio,

memória vazia,

sem vírgulas

sem pontos

sem ponto e vírgula

bem, onde moram?

no templo? ou moram

e a aguardam

no branco nu da montanha nua?

10.

precisa, retorna

imprecisa ao lar

país natal

do qual conhece quase nada

no não saber descansa,

toma distância

olha escuta tateia

aguarda

medita

e da memória nua

emergem certos poemas

incertos

11.

um elefante não é um elefante

e aquele caminhava, é verdade,

sob a regência de alselm kieffer,

entre os brancos e os escuros densos

da paisagem trágica,

assim a tela se teimava

mas sem querer torna-se leve

em cores claras e matizadas

então, escuta-se um bramido

e o elefante suplica

por pinceis e tintas,

tal qual o pintor

de uma caserna

e no lugar de retornar à sombria

e trágica inspiração original

se esconde no verde aguado

zangada,

não é que atiro nele

uma cadeira?

12.

sob a cadeira

e sob a luz de um sol amarelo

e sob a placidez mentirosa

a paisagem kiferiana aguarda

e o elefante

guerreiro kama sutra

e paramentos

marcha

lento

inexoravel

13.

marcha soldado

cabeça de papel...

o olho corta a imagem

afia a faca

e maneja as mãos

que manejam a máquina

olho comandante

torna visível o invisivel

captura

e talha detalhes

olho corpo mãos

joão cabral de mello neto

maquina

corta

entalha

cria a palavra

e o corpo da fotógrafa

deixa o quartel

14.

falar para acreditar

matar o amor

e me apaixonar

falar de quem?

falar de mim?

por que? não basta?

Eliane Accioly
Enviado por Eliane Accioly em 14/11/2017
Código do texto: T6171675
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