Do sertão e das vivências nas curvas quase de um rio
Primeiro havia um tempo
de parecer-se à terra
e germinar sementes
tão impunemente
que os dias atravessavam
o tempo todo da gente
primeiro havia um espaço
de conformar-se à amplidão
e parecer-se a infinito
que coubesse na mão
como se fora tão pouca
a consistência do não
primeiro havia a conveniência
de parecer-se à contradição
que joga homens à terra
com a mesma sofreguidão
com que os ares encerram
sua constância de sertão
primeiro havia cidades
vazias de tal lembrança
como se cactos fossem
a sua desesperança
um invólucro informal
de aguda persistência
como uma lavratura inconteste
de sua impaciência
primeiro havia o aval
de toda sua urdidura
de terra em quase canal
de estranha tecitura
como se alinhavasse seu vau
na complacência das ruas
vias essas que ousam
parecer-se a andaduras
de homens passos que passam
em calcanhares e figuras
que posam a vida pelo tempo
com a parcimônia das luas
primeiro havia a vantagem
de homens sobre a vontade
de poucos que tiram a muitos
as nesgas dessas cidades
porque em tudo era o todos
de primazia escorreita
se não pela palavra
que em verbo ainda se luta
pela persistência do braço
e a consistência tão bruta
que leva o homem a viver
de causa sempre mais justa
primeiro era a intenção
de se fazer tão moderno
que coubesse na razão
como um sistema exato
que consumisse sempre o riso
do tamanho do seu abraço
e contivesse ao invés
de desmedidas e distratos
a aparência dos mares
e a suficiência dos fatos
primeiro era a digressão
de que o verbo é tão incauto
que às vezes morre na palavra
quando não intenta o salto
de tornar-se quase discurso
das urdiduras do dia
retratando quase o mundo
num tempo de alegria
primeiro era o sertão
posto assim em desfastio
com a mesma complacência
das curvas de qualquer rio
que teima em se dar ao mar
apesar dos desvarios
de andar pelas cidades
banhando pedras e gente
como se fosse em engenho
de construir todo vivente
coisa de nem ser liberto
porque liberdade não se sente
ou se vive pela alma
ou se cobra pelos dentes
primeiro era o sertão
em urgente serventia
completando cada homem
nas regras claras do dia
como se fazenda fosse
o peito de cada vivente
de uma lavoura tenaz
das coisas todas da gente
que se planta quando fala
e se fala quando sente
primeiro era a certeza
de que a terra desmente
quem lhe tem como estrada
de consumir adredemente
um pouco de quem quer que seja
na condição de presente
primeiro era a verdade
de que seu valor não é renda
que possa desembocar
no bolso de quem convenha
só pela propriedade
de toda e qualquer moenda
pois para tirar-lhe custo
em valor que nem lhe pese
seja presente em cada palmo
de seus leirões e aceiros
a insistência do braço
e a condição de sertanejo
construindo o que se planta
em sua face de fazenda
retrate o homem a pertença
de tudo que lhe atenha
pois terra se dê ao luxo
de transformar-se em beleza
inventando seus roçados
nos peitos da natureza
e siga sendo do homem
sempre sertão em desafio
como se fora um mar
que coubesse em cada rio
e desembocasse amiúde
no peito de cada filho