CANUDOS NÃO SE RENDEU

É aquele um solo sagrado, digno de pisar,

Com todo respeito, emoção, e reverência,

Muitos ali pereceram, tombaram sem gritar;

Caíram como heróis, com toda resistência.

Solo pobre, íngreme, até hoje conservado,

Como assim era a mais de cem anos atrás,

Caatinga rasa, agreste, dias ensolarados,

Ao pisar-se nele a triste história nos trás.

Ficamos a imaginar como teria acontecido,

Tantos combates, com milhares de mortos,

Ah brava Canudos, aqui por ti embevecido,

O Belo Monte. Ando seus caminhos tortos.

Antônio Conselheiro, um louco, visionário?

Com tropa trôpega, Dom Quixote errante,

Vislumbrou de logo naquele lúgrebe cenário,

Uma vida digna, melhor para seus retirantes.

Antônio, cearense, veio de Quixeramubim,

Que ali sofreu com suas desditas pessoais,

Como alento ao seu penar, encontra por fim,

Na religião enfim, a reza, a cura dos seus ais.

E pelos sertões andou rezando e construindo,

Seus cemitérios fazendo, suas simples igrejas,

Ia assim o Conselheiro, seguidores angariando,

E a cada dia, mais lhe seguia gente sertaneja.

Antes de se tornar líder daquele exército roto,

Teve ele, as suas desditas, traumas infernais,

Foi comerciante, professor, muitas coisas mais,

Foi Rábula, e até pela sua mulher, fora traído.

Inventaram que havia matado a mulher, a mãe,

Então foi preso e conduzido para o seu Ceará,

E lá ele provou ser inocente dessas acusações,

Foi posto em liberdade, nada havia a condenar.

O Beato acusado foi presidiário injustamente,

Mas depois de conseguir provar sua inocência,

Voltou ele correndo para o seio de sua gente,

E continuou de novo peregrinar em penitência.

Andou por muitos e paupérrimos lugares,

Sempre junto dos seus seguidores leais,

Aqueles que confiantes largaram os lares,

E o seguiam, cegos, contritos por arrebóis.

A confusão du’a mudança incompreendida,

Era muita para o seu parco entendimento,

Monarquia banida, a República instalada,

O rei era o rei, era uma divindade, portanto.

O poder do rei era absoluto, dado por Deus,

Era assim que Antônio Conselheiro entendia,

Pregava ele assim, dando os conselhos seus,

Nas suas prédicas impregnadas de sabedoria.

A multidão contrita, o mestre acompanhava,

Bom Jesus Conselheiro, assim se chamava,

Cristo sertanejo? Penitente ou baderneiro?

Contrariou interesses de um sertão inteiro.

Brancos, índios, mulatos, mestiços e negros,

Uma gente miserável, pobres sem esperança,

Acreditando nas promessas e nos seus planos,

Iam com o Bom Jesus, na busca da bonança.

Conselheiro dizia saber duma terra prometida,

Morros de cuscuz. Leite e mel no rio escorria;

Ah! Cuscuz, qual sertanejo que não acreditava,

Cuscuz, fartura, qual o pobre não acreditaria?

No leito do rio Vaza Barris, o Nilo sertanejo,

Instala em Canudos, o penitente a sua prole,

Constroem suas casas, uma igreja primeiro,

O comunismo instalado, o que era, sabia ele?

Essa doutrina, com certeza ainda não existia,

Tudo, de todos, sem ninguém ser subjugado,

A comida repartida em igualdade assim fazia,

Sem preconceito, todos laborando lado a lado.

Não será a primeira experiência comunista?

Canudos, nascendo de um sonho visionário,

O Belo Monte, de um louco uma conquista,

Duma gente miserável, o pastor missionário.

Mas Canudos passou incomodar muita gente,

Coronéis rapidamente perdiam seus escravos,

De todas as raças, que iam ter com o penitente,

A igreja perdia dinheiro, dos pobres, centavos.

E dessa forma Canudos crescia rapidamente,

Uma cidade erguida por milhares de pessoas,

Em busca daquele paraíso, para lá, mais gente,

Gente simples do sertão, bando de gente boa.

Seu crescimento era de tal forma uma realidade,

Com seu progresso e com a sua forte economia,

Que logo passou a ser a segunda maior cidade,

De todo o norte deste grande Estado da Bahia.

Mas forçou o destino fatal, cruel e traiçoeiro,

Colocou Canudos no caminho da derrocada,

Para concretizar o ataque inicial e mortífero,

Era o que esperava uma troupe famigerada.

A fatos de Itapicurú, Juiz covarde, vingativo,

Que ocorreram numa praça daquela cidade,

O Juiz Dr. Leone mostrando todo seu medo,

Faz chegar a Juazeiro a primeira tempestade.

E a tropa, querendo mostrar para que veio,

Não tendo encontrado o Conselheiro por lá,

Nem também a sua gente, no sertão de Uauá,

Para lá se dirigiram, para um trágico passeio.

A tropa não encontrou ninguém na cidade,

Não encontrou nenhum bandido malfeitor,

Para mostrar serviço entra mais no interior,

Saem de Juazeiro a Uauá, que infelicidade.

Encontra somente uma procissão contrita,

Se arrastando que nem cobra pelo chão,

Assim como nos diz os versos da canção,

Agridem os inocentes, numa triste desdita.

Tenente Manoel Pires Ferreira comandava,

Um contingente de mais de cem soldados,

E nesta refrega, onde atingiu os desarmados,

Foi em seguida junto com seus comandados;

Em fúria pelos jagunços da caatinga repelido,

Fugiram logo em uma correria desenfreada.

Sem dúvidas que essa foi a primeira refrega,

Das muitas outras que houveram acontecido.

Em fuga, não se comportam com dignidade,

Incendeiam, roubam e saqueiam os pobres,

Habitantes pacatos daquela sertaneja cidade,

E voltam corridos, mas muitos com cobres.

E assim era sofrida a primeira humilhação,

Imposta a soldados pela tropa Conselheirista,

Mas terá sido humilhação ou defesa do chão,

Que era invadido de uma forma imperialista?

Mas revés de Uauá não poderia ser esquecido,

Uma resposta urgia, tinha que ser organizada,

E uma nova e maior tropa foi então preparada,

Para vingar a derrota, o fracasso acontecido.

Major Febrônio da Policia Militar da Bahia,

Coronel Tamarindo e outros tantos oficiais,

Uma nova investida contra Canudos faria,

E dessa vez não haveria derrota. Não mais...

Ledo engano de quem acreditava ir vencer,

Mais uma vez a jagunçada de Conselheiro,

Colocou a tropa enorme, soldados a correr,

O pobre Coronel foi numa estaca empalado.

Era forma dum combate então desconhecido,

Nunca haviam esses militares visto nada igual,

Um combate de guerrilha ainda não acontecido,

Deixava todos temerosos, um combate mortal.

Ao serem batidos, perdidos na imensa caatinga,

Presas fáceis para quem cada palmo conhecia,

E não ficou nem um centímetro das restingas,

Que não houvesse mortos. Mortos em demasia.

Da torre da nova igreja, uma construção sólida,

Subindo muros, nos telhados das pobres casas,

A multidão inteira comemorava emocionada,

E uma sonora vaia se fez ouvir das paliçadas.

Corriam pela imensidão da caatinga soldados,

Maltratados por macambiras, cactos, favelas,

Corriam desembestados para todos os lados,

Abatidos pelos tiros certeiros das trincheiras.

Que desgraça. Grande e desastroso infortúnio,

Isso não podia ficar assim de maneira alguma,

Era desmoralização da República o morticínio,

Por uma gente do fim do mundo fora imposta.

A República estava assim deveras ameaçada,

Era preciso uma rápida, uma convincente ação,

Para acabar com toda aquela gente desvairada,

Que abalava o governo nos confins do sertão.

A quem chamar? Quem seria o herói, o algoz,

Quem vingaria tamanhas vergonha e derrotas,

Moreira César, o corta-cabeças, o bravo herói,

Coronel valente, no sul, vitória havia imposta.

Acabara com um foco monarquista que resistia,

Empregou de violência que a todos assustava,

Ganhou essa alcunha que seu orgulho satisfazia,

Homem ideal, para Canudos apenas ele bastava.

Vai para Canudos, certo de uma vitória rápida,

Consciente de que quando seu nome fosse dito,

A jagunçada tremeria, correria em debandada,

Não ficaria ali em Canudos nenhum bandido.

Então marchou célere com grande contingente,

Não encontrou nenhum jagunço pela estrada;

Queria acabar quanto antes com aquela gente,

Sem imaginar que ali seria a sua derrocada.

Epiléptico, franzino, vaidoso e muito violento,

Na viagem, tem uma crise, um mau presságio,

Mas não desiste nem descansa um só momento,

A tropa segue rumo ao seu derradeiro estágio.

Mas a jagunçada estava esperando na cidade,

As trincheiras escavadas, em posição de luta,

Do alto Moreira Cezar vislumbra toda plêiade,

Que lhe espreita, mira certeira que lhe aguarda.

Impaciente e querendo por fim aos sertanejos,

Sem descansar e sem esperar um só momento;

“Homens: Vamos todos almoçar em Canudos”!

Empunhando a espada, foi esse seu incentivo.

À frente da tropa comandando seu exército,

Montado em seu cavalo, aponta a cidadela,

Picando esporas avança, mas uma bala certeira,

Impede a investida. Cai com um tiro no peito.

Mas todos defensores estavam bem instruídos,

Atirar para matar a quem a tropa comandava,

Muitos oficiais aquela altura haviam perecido,

De novo, sem um comando a tropa debandava.

Canudos mais uma vez havia sido vitoriosa,

Impunha mais uma desonrosa humilhação;

Mas aquela gente sertaneja, valente e briosa,

Não queria guerra, estava a defender seu chão.

Derrota? Como poderia ter acontecido aquilo?

Exclamavam autoridades do Brasil República.

Era preciso dar uma resposta ao Conselheiro,

A Republica ameaçada por gente monárquica

Agora era mesmo de fato uma guerra declarada,

Era preciso então montar uma grande expedição,

Milhares de soldados foram para final derrocada,

A vingança seria enfim, consolidada para a nação.

A quarta expedição foi então posta em execução,

Soldados de todo o país foram esses mobilizados,

O Brasil pasmado passava por uma forte comoção,

Por todos revezes sofridos, todos escandalizados.

De todos os estados do Brasil, vieram batalhões,

Foram para essa grande batalha final convocados

Sergipe, Maranhão, prontos, atendem convocações,

Dos Pampas Gaúcho vieram muitos seus soldados.

Pará, Amazonas, Rio Grande do Norte também,

Da Paraíba, Piauí, todos, soldados vêm garbosos,

De Pernambuco, fardados. A Capital Federal idem,

Do Estado da Bahia, muitos soldados valorosos.

De Salvador, iam os soldados para Queimadas,

Cidade encravada bem no quente sertão baiano,

Dali a Monte Santo, todos seguiam em marchas,

Para encontrar em Canudos o seu real inferno.

Milhares de soldados, com centenas de oficiais,

Farta munição, pesado armamento de destruição,

Canhões, fuzis, pistolas, mil metralhadoras fatais,

Assim começa a refrega, uma guerra na nação.

Tem inicio uma luta inglória nunca antes posta,

Combate mortal feito nestas terras de Pero Vaz,

O sertanejo resiste então firme a toda investida,

Faz uma caçada brutal, não se mostra, e é voraz.

E segue assim a tropa em duas colunas separada,

Marcha, avançando palmo a palmo em lentidão,

Segue firme para Canudos, mas sendo dizimada,

Pede reforços, porque chegar lá não é fácil não.

Por fim, avistam lá do Alto do Mário, Canudos!

Frente a frente, só separados pelo Vaza Barris,

O Belo Monte, as torres da igreja, os seus sinos,

Uma fortaleza medieval, que espera pelos fuzis.

Canhões, a matadeira, temida dos jagunços,

Faz de longe estragos na imponente igreja,

Tiros disparados, para sua torre, certeiros;

Mas os sinos continuam tocando na peleja.

O Conselheiro, o penitente não teve tempo,

Não pode ver da sua Canudos, a destruição,

Morre antes, e é enterrado dentro do templo,

Mas a luta continua, sertanejo é determinação.

Não vai se render assim tão fácil. Rendição não!

E passam-se os dias, meses, e nada de terminar.

Os medonhos combates; não conseguem entrar,

Naquela cidade, a cada dia, mortos em profusão.

Os soldados vão avançando com muito esforço,

O combate então se torna ainda mais brutal,

Casa a casa, tiros a queima roupa, e o punhal,

São armas que empregam um lado e o outro.

Mas os sertanejos, não recuam um milímetro,

Matam, morrem com uma coragem sem igual,

O combate é corpo a corpo, luta descomunal,

Os feridos borbulham no improvisado hospital.

Não há mais tempo de enterrarem-se os mortos,

Valas rasas são abertas na imensidão da caatinga,

Os corpos de soldados são nelas jogados tortos,

Os urubus fazem um banquete. Festa na carniça.

O querosene incendiário; a dinamite destruidora,

São usadas para dizimar aquela brava resistência;

O fogo consome tudo numa fúria avassaladora,

O sertanejo continua firme; luta com persistência.

O marco triste de toda essa historia protagonizado,

Foi a degola imposta aos prisioneiros capturados,

Os espíritos no Vale da Morte até hoje agonizando,

Ainda clamam por justiça, pela barbárie, vitimados.

“Canudos não se rendeu!” Disse Euclides da Cunha;

O grande escritor de “Os Sertões”, real testemunha,

De tudo que aconteceu nestes confins dos sertões,

Seu livro gravado para sempre em nossos corações.

Exemplo único em toda história, assim ele diria,

Canudos resistiu até o esgotamento completo,

Expugnado palmo a palmo, assim ele narraria,

E que todos morreram, bem na precisão do termo.

Caiu no dia cinco, os seus últimos defensores,

E eram quatro apenas: dois homens adultos,

Um velho e uma criança eram os malfeitores,

Na frente dos quais rugiam cinco mil soldados.

Foi um combate de lances muito emocionantes,

De gestos heróicos, bravura de ambos os lados,

E uma tragédia sem precedente, decepcionante,

Não merecia ser destruída a cidade de Canudos.

A vergonha, o crime, a brutalidade ali exposta,

Onde errou Canudos, qual mal, que será que fez?

Merecia da história uma reparação uma resposta,

Para se entender o porquê de tamanha insensatez.

A resposta veio na forma da água, da submersão,

Inundada pelas águas do Açude de Cocorobó,

Sepultou para sempre, escondeu de todos a visão,

De um cenário macabro que fora reduzido a pó.

Mas de tempos em tempos a seca inclemente,

Baixa as águas da represa, e vê-se ainda a marca,

Das ruínas daquela cidade que fora certamente,

Da igualdade total um símbolo, a sua matriarca.

As paredes de sua igreja ainda estão lá firmes,

Os seus tijolos as águas não conseguiram diluir,

Feitos pelas mãos calejadas de oleiros sublimes,

Transformando-se num monumento ao porvir.

Não resta a menor dúvida de que os soldados,

Na campanha de Canudos lutaram bravamente,

Mas há que se fazer justiça aos comandados,

De Antonio Conselheiro, Antônio Penitente.

Heróis que tentaram colocar no anonimato,

Mas que o sertanejo não esqueceu e cultua,

Valorosos, bravos, estrategistas, isso é fato;

Da história nordestina nada há que os exclua.

O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão,

Vai cair uma grande chuva de estrelas no chão,

E aí será o fim do mundo, esse é o triste retrato.

Prenunciava ele, Antônio Conselheiro o beato.

As suas barbas longas, seus cabelos em desalinho,

Empunhando firme, tal um profeta, solenemente,

Um cajado, vestindo túnica de brim azul marinho,

Era a moldura surreal daquele homem penitente.

Ali naquelas paragens secas; deveras inclemente,

Tombaram mais de vinte e cinco mil brasileiros,

Até hoje perambulam pelas alterosas, certamente,

Espíritos vagantes que ainda ouvem tiros certeiros.

Ainda guardam Canudos seus encantados entes:

José Venâncio, Lalau, Chiquinho e João da Mata;

Esses, eram irmãos de sangue, e nas vertentes,

Mostraram seu heroísmo nesta guerra infernizada.

Joaquim Tranca-pés, Raimundo Boca Torta, Pajeú,

Pedrão, o Negro Estevão, defenderam bravamente,

Junto com Chico Ema, Norberto, essa era a gente,

Que nada temia; que com tanta galhardia pelejou.

Vila Nova comandante, João Abade chefe do povo,

João Grande, Macambira, José Gamo e Fabrício,

Nada temiam, com certeza fariam tudo de novo,

Dariam a Canudos novamente a vida em sacrifício.

Muitos outros anônimos, corpos espalhados ao léu,

Sertanejos valentes, banquetes das aves de rapina,

Mas Deus vendo tamanho massacre abre-lhes o céu,

E fecha-se o teatro macabro. Fim do ato: a cortina.

Mil oitocentos e noventa e sete era o ano fatídico,

Dois mil e sete. Cento e dez anos. Nada mudou,

Canudos continua como antes. No tempo parou,

Mesmo cenário, mesma desolação, isso é verídico.

Parece que as mesmas árvores ainda continuam lá,

Testemunhas vivas, intactas; o mesmo sol ardente,

Os mesmos cactos, macambiras as temidas favelas,

O mesmo ar, o cheiro da pólvora o gosto de sangue.

Trincheiras cavadas estão como há cento e dez anos,

Parece vermos de dentro delas os valentes guerreiros,

Mirando firme a brasa dum cigarro, um tiro certeiro;

Abatendo na fria noite escura o inimigo sorrateiro.

As águas calmas do Açude de Cocorobó imponente,

Exalam um frescor suave, uma brisa que é notória,

O silêncio inquietante apresenta a nós solenemente,

A água, o vento. Os guardiões eternos dessa história

Assim, posto. Nestes simples versos aqui encerro;

Relato que ouvi de Seo Ioiô, o narrador, o retratista,

A ele o meu apreço, o meu agradecimento sincero,

Que agora está no céu, junto à tropa Conselheirista.

Lúcio Astrê
Enviado por Lúcio Astrê em 11/10/2007
Reeditado em 14/10/2007
Código do texto: T690427
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