MOIRÕES E CERCAS ( I - VI)

MOIRÕES E CERCAS I

Naquele tempo se faziam aramados

só manualmente. Era o alambrador,

chamado em espanholismo, sem pudor,

embora os castelhanos contemplados

fossem de esguelha, aqui dos nossos lados.

Afinal, houvera lutas, tanto ardor,

tanto sangue derramado com calor,

pelas fronteiras sem lindes demarcados.

Na verdade, os antigos desprezavam

aquela profissão. E nem queriam

ver as coxilhas assim entrecortadas.

Talvez fosse por isso que o chamavam

por esse nome ajeno, em que diziam

ver as fronteiras de antanho desviadas.

MOIRÕES E CERCAS II

A cada tantos metros enterrava-se o moirão,

de corunilha, se possível, que durava

muito mais tempo que os outros e ficava

sem nunca apodrecer, firme no chão...

Nos intervalos, iam valas de armação,

cortadas lá no mato, alguma se entortava,

meio triste no alambrado, porém segurava

esticados os arames, como era sua função.

O nome dessas varas eram tramas e serviam

mais para a economia dos moirões:

um moirão, quatro tramas; ou então, cinco.

E nos cantos dos potreiros, lá faziam,

pra maior resistência de armações,

um arremate, firmado com afinco.

MOIRÕES E CERCAS III

Hoje em dia, essas tramas são quadradas,

feitas de fábrica ou em carpintaria;

no tempo antigo, o arame se prendia

ao redor delas, em roscas apertadas!

O alambrador, com ferramentas apropriadas,

enroscava o arame, em serventia,

completava o potreiro, ao fim do dia

e já partia para cercas afastadas...

Nos moirões empregava arco de pua;

se a madeira rachava, era um sargento,

firmando a cola, que fazia de tuna.

Ele plantava assim floresta nua,

que, às vezes, rebrotava por momento,

especialmente se era pau de gaviúna...

MOIRÕES E CERCAS IV

Em pouco tempo, já o arame era farpado,

porque o gado reúno, enfurecido,

que das quebradas fora removido,

rebentava, sem pena, esse alambrado...

Mas agora a gente via, pendurado

em cada farpa, um chumaço retorcido,

de lã ou de pelego; e, espavorido,

o bicho se afastava, contrariado.

Isso foi ruim até para os piás,

que gostam de passar entre os arames,

para catar biri, butiá, pitanga...

e se lastimam agora lá por trás,

a cada vez que cruzam os alambres

e lavam os arranhões na água da sanga!...

MOIRÕES E CERCAS V

Nas esquinas do potreiro, atravessado

ia um arame retorcido e torto,

bem firme atado ao derredor de um morto,

que era um pedaço de pau bem enterrado.

Um dia, um castelhado desbocado

se meteu a discutir com seu patrão;

e nem foi pela plata; que a razão

foi o estancieiro pôr defeito no alambrado.

Disse o que não devia: e o fazendeiro

sacou da adaga, e sem qualquer temor

de milico ou de polícia, porque hambre

tinha a lâmina de sangue, foi certeiro.

E como resultado, o alambrador

serviu de morto para o próprio alambre!...

MOIRÕES E CERCAS VI

Hoje tem máquina, como para tudo:

até mesmo a divisa é eletrificada

e a tropilha fica assim mais acanhada

de se encostar no arame assim desnudo.

Mas o motivo é outro, não me iludo:

o abigeatário tem a ousadia podada;

muito raro a energia é desligada,

que a instalação é feita com estudo...

E ao ver essas fileiras de soldados,

em marcha reta, à beira das estradas,

à guarda dos asfaltos coxilheiros,

fico a cismar que são antepassados,

transformados em mil almas penadas,

a conservar o gado nos potreiros!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 23/10/2008
Código do texto: T1243929
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