CARTA DE CERTO NORTISTA

Mãe, faz pouco tempo que cheguei aqui,

não deu tempo sequer de me despir

e tirar a roupa suja da viagem

que trouxe eu pra longe de você

e dessa terra boa que ficou aí.

Mãe, gastei três dias, mas cheguei São

Paulo foi quem me recebeu,

esse moço mais osso do que eu,

em cuja capital tem mais gente

que formiga num grande formigueiro.

Mãe, aqui tem gente feito areia no mar,

e maior é o desejo de se falar...

Ninguém escuta ninguém,

parece que não se tem

no peito coração a pulsar.

Mãe, cheguei aqui não fez um mês,

meu bolso violaram mais de uma vez...

Não sei o que faço pra aqui ficar...

A vida ninguém divide...

Não se vê uma mão, outra apertar.

Mãe, aqui no "Sul", pra nós não tem bocado...

No "Norte", quem nasceu fique por lá:

a vida é dura, mas se tem escapado.

Mãe, a nossa língua não se entende aqui,

ninguém me ouve, a ninguém ouvi...

desta terra já desisti.

Mãe, diga a papai que se alegre:

no caminho do roçado

serei sua companhia outra vez.

Mãe, eu vou fugir dentre estas feras...

Aí no mato, aí na serra os animais não fazem guerra.

Antonio Leal
Enviado por Antonio Leal em 07/03/2009
Reeditado em 07/03/2009
Código do texto: T1473834
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