Vento serrano
A noite vem chegando de mansinho
Quebrando o silêncio dos céus de fogo
A nuvem se dissipa em tons de escuridão
E o vento vem despertar os espíritos da Cantareira
De olhos fechados, ouço apenas o deslizar suave do ar pelas folhas
A brisa gelada que nos envolve em mistério
E nos embala em uma viagem sem rumo
Pelos vales profundos e recortes noturnos da serrania
O passo do vento é ligeiro
Como um cavalo selvagem
Um trinado campestre de saudades
Que atravessa a mata fria rompendo o silêncio
Cascos ferozes que permeiam floresta, barro e pedreira
O vento que chacoalha as janelas da vila nos leva a lugares distantes
Olarias vazias, folhas desbotadas pelo chão rachado de sol
A paisagem muda, o passado vem abarcar o presente
E o vento segue sua travessia tortuosa pela raiz do Olho D'Água
No horizonte, casinhas perdidas, cheiro de lenha queimada
A paisagem se transforma em breu, ofuscado apenas pela meia lua
Morrotes escuros, sete quedas de água pura
Veredas sem rumo, nos remansos de Mairiporã
A brisa da noite canta sua própria história no vale da música
Rompendo a solidão da estrada que segue rio acima
Toada cabocla, que toca sem pressa no curso do tempo
E nos leva para longe, dos tempos do Ajuá, Pirucaia e Juquery
A mata fechada ressoa o momento do encanto
A rajada repentina que desperta mato a dentro
Dissipa a bruma e faz crepitar a araucária
A ventania que assusta a jaguatirica, o bugio e o urutau
Carrega consigo a alma gelada do vale, o canto do povo serrano
E nós seguimos em frente, olhos sempre atentos na paisagem
Mesmo distantes, não esquecemos da nossa terra de contos e recantos
Mesmo quando nosso coração agoniza em saudades
E os olhos já não enxergam o mesmo verde pela janela
Nós esperamos o retorno dos ventos
Que a brisa venha nos chamar novamente em sussurros
Para relembrar os velhos tempos
Que a noite venha chegando de mansinho
Trazendo o silêncio aos viadutos
Que a cidade se dissipe em tons de escuridão
E que o ventania chegue de longe para nos buscar
Num sopro gelado que nos leve ao coração do vale
Esse vento serrano que nos leva de volta para casa