Paisagem Madura

(A meu pai)

As goivas desenham

na sola da vida um poema,

e os sulcos cravados na memória

se alastram feito galhos secos

no outono da profissão.

A mesa posta: o couro, o cutelo,

as correias, aços curvos, sombrios,

e o silêncio do martelo

de madeira, gasto pelo ofício

de martelagoivar.

Na aresta do tempo

gravou-se a imagem e o suor

do seleiro, poeta e seresteiro,

alfaiate dos animais.

Imagem simples, sertaneja,

solidária da peonada,

hoje vestida de solidão.

Os pensamentos, fios contorcidos,

perdidos na cera da lembrança,

apertam o coração na tala do peito

e pairam diante da sovela fina

da saudade, trespassando

com um par de agulhas dos olhos

a sola macia do infinito.

Maurício Apolinário
Enviado por Maurício Apolinário em 06/06/2007
Reeditado em 18/06/2007
Código do texto: T515688
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.