POR SER BOIADEIRO


Galopava, inaugurava travessias,
Pelo sertão mineiro,
Soltava a voz em cantorias,
Incorporava o eu cancioneiro.
Era boiadeiro.

Enfrentava adversidades, dormia
Em qualquer terreiro,
Transforma dor em poesia,
Não admitia ser corriqueiro,
Era boiadeiro.

Fazia suas preces, se benzia,
Tinha a fé de um romeiro,
Valei-me virgem Maria!
Repetia o tempo inteiro,
Era boiadeiro.

Sempre que voltava, colhia,
Flores do campo, flores de cheiro,
A sua amada oferecia,
Abria um sorriso festeiro,
Era boiadeiro.

Gostava do trecho, mas, em casa se sentia
Aceito, refeito, um jeito maneiro,
Recebia as companhias,
Com um coração hospitaleiro,
Era boiadeiro.

Com humildade servia,
Movia o mundo pelo fazendeiro,
O que prometia, cumpria,
Agia como um fiel escudeiro.
Era boiadeiro.

Mas, de repente, existência vazia,
A ventania apagou o seu candeeiro,
O progresso chegou, trouxe a ousadia,
As rodovias, o transporte ligeiro,
Era boiadeiro.

Por ser boiadeiro, não poderia,
Se adaptar aos novos roteiros,
O cavalo era o seu guia,
Da tradição ele era despenseiro,
Era boiadeiro.

O que em um mês, ele fazia,
Em um dia, era feito pelo caminhoneiro,
Se recolheu, viveu de nostalgia,
Se valia da nova função, caseiro,
Era boiadeiro.

Envelheceu mais do que deveria,
Perdeu o olhar alvissareiro,
Não conseguiu o que ele mais queria,
Morrer como um nobre boiadeiro.
...Era boiadeiro.