Retornança
RETORNANÇA
Para os olhos da tapera
- curiosos e sonolentos -
quanto mais vertem lamentos,
mais recorda-se o que era.
Maiores são as esperas
de adormecidas ruínas...
...Memória viva e genuína
que o silêncio regenera.
Lonjuras e seus atalhos
de passos, sanga e banhado;
Todos por algo deixados
a simples caminhos falhos.
Artérias de secos galhos
pulsando nestes vazios.
...Lugar de sonhos tardios,
gotejado pelo orvalho.
Juro - e parece verdade -
quando rondando-te, ainda,
ver-te morada bem-vinda
ao meu tempo sem vaidade.
Desfrutar desta verdade
incomum a outros tantos,
é como beber teu pranto
pra também sentir saudade.
Todo campo que te toma
- macega, chirca, alecrim -
imita algo que em mim
mais e mais chega e se soma;
São as cismas temporonas
do que nos condena, a idade.
...Uma terrunha ansiedade,
vasta de rugas e aromas.
Entendo, e jamais pudera
não entender tal acaso,
pois nosso destino raso
contrário ao que é novo avança.
...Meu espírito criança
e a tua alma, morada,
são metades extraviadas
de uma lerda retornança...
Nome dado a tudo aquilo
que não contém a vontade
de retornar claridade,
num escuro tão tranquilo.
O canto miúdo do grilo
que a madrugada não cessa,
não volta se não começa.
- São passagens que assimilo.
Alimento essa fortuna
que penso trazer comigo,
com os mais pobres antigos
que o meu interior reúna.
...Tristezas inoportunas
não resumem meus amargos...
...pois, entre todas que trago,
me alegro co’ ao menos uma.
Rumos largos e confusos
abrigando o esquecimento...
Alambrados onde o vento
tem idiomas que traduzo...
Os rincões que agora cruzo,
são memórias que revejo...
...e as palavras que desejo
já tombaram ao desuso.
Estradas de tardes mornas...
Noites de chispas acesas...
- ouvintes das incertezas
de quem, um dia, retorna.
A distância nos transforma
com circunstancial vivência...
...e a terra veste a querência
de tudo que ela se torna.
...Pena (no querer que esboço)
não conter-me diante disso.
Mas se o tempo tem feitiço
de ruir o que era nosso...
...eu, logo, teimo que posso
visitar restos de antes
e ter razões o bastante
de prezar estes destroços.
Resistência frente a um mundo
que carece de valores,
é cicatrizar as dores
dos enfermos mais profundos.
...Gerar o sumo fecundo
que protege o próprio cerno,
certamente é ser eterno
no mais breve dos segundos.
Quando te encontro, amparado
nestes ermos desparelhos,
tal se, rezando, de joelhos
diante a fé dos “olvidados”
Eu também estou curvado
à sombra da mesma cruz…
...mas vivo perante à luz
que nos mantém igualados.
Por isso, rancho de tantos,
que outrora foi meu também…
...a sorte que te convém
há de amainar os quebrantos.
E, mais que isso - garanto -
ficarás são e sombreado…
...como um franzino pecado,
perdoado por algum santo.
Estas coisas que me atenho
- morada, rastro, saudade -
dizem, com sinceridade,
da longitude em que venho.
Todo este esforço, este empenho
de versear a terra, enfim…
...fala mais alto (e por mim)
ante as quietudes que tenho.
E agora, ranchito vago,
que foi abrigo e poema...
...a rima é muito pequena
para teus escombros largos.
As tristezas, os amargos
e a valia da pobreza…
...são reticências ilesas
dos escritos que me encargo.
Indelével prisioneiro
do que o amanhã leciona...
Mas teu ciclo condiciona
(quando reflito primeiro)
aceitar-te passageiro;
E, embora esvaindo ao chão,
estar, para o coração,
o mesmo e ainda inteiro!