Tempo havido

A maçã enrolada num papel roxo,

O fogo mamando a luz no querosene,

O cheiro do feijão tirado antes

Os joelhos penitentes pela casa

A palma na lata de cera vermelha.

A parreira pau-pelado no verão,

O toicinho dando gosto ao fim de tarde.

As panelas pretas engostosando a noite

A cantiga de rezar num júbilo mole

As cartas de amor na mala de papelão.

O algodão queimado curando os cortes

As brasas passando as roupas dentro do ferro

Os filhos inchando na barriga,

O porco morto com a barriga aberta.

A tela de acrílico dando cor à tela.

O escovão lustrando o passadiço

A dor de barriga resolvida num buraco

O pelego ocupado em tapete

As correias rasgadas dos chinelos

A rapadura meio mole fazendo cuspe.

O giro do leite virando doce no tacho

O milho sendo fubá no pilão

Os biscoitos-menino nas latas pretas

O café plantado, colhido, torrado e moído

O quintal-cafezal das imaginações.

As felpas aperitivo para o fogo querer a lenha

A lenha estralando no fogão

As cabaças de Jataí pela cozinha

As agulhas nos olhos de botão,

O leite derramando na fervura.

O dia cor de hortênsias exóticas

A manhã de broa e biscoito frito

As roseiras exalando saudades

O suco de jenipapo com bicarbonato,

O fumo de rolo, as palhas e a binga.

O trote pés de aço levantando pó

A roda chorando o peso da lenha

O menino gritando o gosto do picolé

A melancia cabo seco, caldo doce.

E as mariposas sujando o chão com seu passado.

O machado encontrando a lenha

O ritmo da vida no pilão

A cana entregando o bagaço

O suco açucarado ao natural.

As cinzas do fogão no fim do dia.

A barriga grande sofrendo o acordeom

O som das alegrias virando música

As alpargatas vingando os pés no chão

A chave ao lado da taramela.

A pisada alta na calçada.

O candeeiro fazendo garatujas pretas

O kaol polindo as latarias

O gato encolhido entre as telhas

A felicidade encontrando lugar

Na simplicidade de um tempo havido.