BOTAS VERMELHAS & MAIS

BOTAS VERMELHAS I (4 ABR 12)

Não se pretende a menor ingenuidade

nesta foto de uma jovem argentina,

igual às vezes em que a postura feminina

se finja inteira de pureza e de humildade.

Aqui se busca é a sedutoriedade,

uma figura apenas fescenina;

que a mim, não obstante, não fascina

sua exibição provocante de vaidade.

Só mostra as coxas e a sugestão de um seio,

a boca aberta em muda frouxidão;

cabelos negros contra os ombros vão,

embora seja uma peruca, assim receio,

como artifício a causar mais atração,

para qualquer a quem exiba esse meneio.

BOTAS VERMELHAS II

Mas essas botas sugerem lenocínio;

de certo modo é o fotógrafo proxeneta,

embora venda apenas imagem em que afeta

a sugestão de encarnado latrocínio...

Botas de sangue, singular escrínio

para essas pernas, assim algo secreta,

embora a coxa erguida, branca e reta,

devesse a oculta ser, em tirocínio...

Nessa inversão da antiga pudicícia,

busca talvez maior provocação,

para o órgão sexual chama a atenção,

na sugestão parcial dessa letícia,

a que a curva dolente do interior

clara conclame a um momento de vigor.

BOTAS VERMELHAS III

Traz um cinto esgarçado na cintura,

também vermelho, em franjas descoladas;

sutilmente dispostas nos seus nadas,

umas escondem, em ocultação impura,

as calcinhas que usa e, porventura,

se disporia a tê-las retiradas...

outras franjas escorrem, apressadas

pela forquilha das pernas de brancura.

E me recordam assim rastros de sangue,

qual estivesse em sua menstruação

ou agradecesse por ter sido deflorada.

Talvez por isso é que seu rosto enlangue,

após ser feita a desejada intervenção,

por em mulher ser finalmente transformada.

MACARENA I – (16 jan 2008)

Não quero pensar nela e assim a esqueço,

pois a esqueço vinte vezes cada dia

e que a pudesse esquecer já me iludia;

por vinte vezes esquecê-la peço...

Que lembrar dela assim condescendeço,

nessa ilusão que a mente me embolia,

tornou-se vício apenas, sinergia,

em que meus dias gasto e as noites meço.

De nada serve mostrar-lhe tanto apreço,

pois certa está de mim e não se abala,

na indiferença de seu sorrir de gesso.

Só me concede o perfume que trescala

e é nesse mesmerismo que adormeço,

no esquecimento que meu sono embala.

MACARENA II (2 ABR 12)

E é sempre assim. Me surgem, de repente,

depois de dias de pleno esvaimento,

versos-prantos de aurora e sofrimento

versos-mágoa, mesmo apenas aparente.

Versos morenos, na ternura indiferente

Que se distende fugaz no pensamento.

Não penso nela assim nesse momento,

até que o carrossel seu giro assente.

E eu bem queria sentir-me enamorado,

para que as letras se fossem marchetando,

nas tábuas de minhalma, em luz dourada.

Que assim percebo como vai desencadeado

outro poema de sabor mais delicado,

sem que sequer a tenha relembrada.

MACARENA III

Não é que seja flor emurchecida

que nas páginas de um livro se guardou

essa pequena flor que se beijou

e que do cheiro dela foi nutrida.

Não é que seja por mim nunca colhida

em pradaria que nem sequer se visitou,

por onde este seu passo nunca andou,

que pelo vento tornou-se ressequida.

Nem é que seja assim a flor narcótica,

que em seus canteiros não se possa adormecer

sob pena de não se erguer jamais;

Mas essa flor é uma ilusão de ótica,

uma miragem que nunca irei colher,

qual vero amor que não se encontra mais.

MACARENA IV

Nem é que seja perfume ensandecido

que te entra pelas ventas e narinas,

odorantes papoulas e boninas,

agreste olor no olfato desnutrido.

Nem que seja o ardor enlanguescido

desse sonho gentil, que das meninas

se transforma em quimeras femininas

e paira no seu quarto ensombrecido.

Tampouco esse fervor de redolência

que narcotize o casto visitante

e o leve a cometer ato de incúria.

É mais a essência de certa impenitência

que sobe da mulher e nesse instante

se evola em tal panóplia de luxúria.

MACARENA V

Nem é que seja seda, ao leve toque

desse martírio sutil para meu tato,

essa abrasão gentil em que me abato,

esse sorriso leve de remoque...

Nem que seja cetim que me reboque

para além das fronteiras do recato,

nem casimira de um antigo fato,

pano tecido dos fios do louro coque.

Nem que seja essa pele almiscarada

de uma raposa, vermelha de rubor,

nem o branco pintalgado de um arminho;

penso em sua seda qual sopro de fada,

que os dedos me conquista em tal glamor,

que me percorre e depois deixa sozinho.

MACARENA VI

Nem é que seja um fruto entretecido

de fibras de borralho e morto encanto

com dez romãs de endurecido pranto,

congelado em pavidez desse esquecido

momento de ilusão empulpecido,

de casca de maçãs rosado manto,

de abelhas a zunir rústico canto,

pétalas brancas de pistilo entontecido.

Eu penso em fruto de mais real sabor,

que desce pelos lábios em botão

e se condensa no cálice do umbigo,

os seios gêmeos dois botões de flor,

em seu perfume quase uma oração,

um sorriso a invocar do deus antigo.

FIDALGA I (3 abr 12)

Nem sei o que escrever na madrugada,

Gélida chama que insuflou meu peito

De pérfida malícia, de escorreito

Beijo de vento nas faces da alvorada.

Nem sei o que escrever nesta hora fria,

Se devo descrever o que perpassa

Pela minha mente, se me satisfaça

A redigir tão somente o que sentia

Nesse momento de estranha exaltação

Em que tão lealmente confessaste

O que sentias por mim; tão surpreendente

Que acabasses revelando essa emoção

Com que tanta nobreza a mim honraste,

Para fugires depois completamente...

FIDALGA II

Que te escrevesse um verso de elegia

Seria obrigação, completamente,

Mas sinto agora é a emoção dolente

Perante o preito de tua fidalguia.

E é bem difícil dizer o que sentia

Quando se abre o peito, simplesmente

E se descobre um vazio quase inclemente

Pela falta que sua ausência produzia.

É tão difícil sentir que está tão perto

E ao mesmo tempo mantém-se na distância,

Mostrando apenas um canto de sorriso

Gargalhada em reverbero no deserto,

Nessa miragem acenada com constância,

Na comissura dos lábios que não piso.

FIDALGA III

Eu já falei demais, em mil poemas,

Já disse tudo que tinha a lhe dizer;

Lembro das vezes em que fez acontecer

E dessas vezes em que sorriu apenas...

O parpadear castelhano dessas gemas,

Que o rosto mostra durante o aceder;

Cada cílio nova pena ao entardecer,

Cada piscar promessas às dezenas...

Lembro da curva abaixo dos quadris,

Essa parte que mais demonstra suavidade

E cujo nome jamais eu aprendi,

Mas não se pense que só desejos vis

Me afloraram no momento da verdade,

Pois lhe dei meu coração quando a possuí.

FIDALGA IV

Lembro o perfume que vem de seu pescoço,

A cada instante em que descartou o pejo

E se entregou completa nesse ensejo,

Mas sem dizer, enquanto o beijo roço,

Que me amava; seu gemido só o esboço

Desse prazer que nos quadris lhe vejo,

Dessa resposta plena a meu desejo,

Mas sem mostrar nessa frase o seu endosso.

Até que, finalmente, o confessasse

E então descesse, inesperadamente

Do patamar a que seu peito galga,

Embora sempre que alguém se enamorasse

E quisesse uma mulher perdidamente,

Reconhecesse na sua graça uma fidalga.

BOTAS VERMELHAS I (4 ABR 12)

Não se pretende a menor ingenuidade

nesta foto de uma jovem argentina,

igual às vezes em que a postura feminina

se finja inteira de pureza e de humildade.

Aqui se busca é a sedutoriedade,

uma figura apenas fescenina;

que a mim, não obstante, não fascina

sua exibição provocante de vaidade.

Só mostra as coxas e a sugestão de um seio,

a boca aberta em muda frouxidão;

cabelos negros contra os ombros vão,

embora seja uma peruca, assim receio,

como artifício a causar mais atração,

para qualquer a quem exiba esse meneio.

BOTAS VERMELHAS II

Mas essas botas sugerem lenocínio;

de certo modo é o fotógrafo proxeneta,

embora venda apenas imagem em que afeta

a sugestão de encarnado latrocínio...

Botas de sangue, singular escrínio

para essas pernas, assim algo secreta,

embora a coxa erguida, branca e reta,

devesse a oculta ser, em tirocínio...

Nessa inversão da antiga pudicícia,

busca talvez maior provocação,

para o órgão sexual chama a atenção,

na sugestão parcial dessa letícia,

a que a curva dolente do interior

clara conclame a um momento de vigor.

BOTAS VERMELHAS III

Traz um cinto esgarçado na cintura,

também vermelho, em franjas descoladas;

sutilmente dispostas nos seus nadas,

umas escondem, em ocultação impura,

as calcinhas que usa e, porventura,

se disporia a tê-las retiradas...

outras franjas escorrem, apressadas

pela forquilha das pernas de brancura.

E me recordam assim rastros de sangue,

qual estivesse em sua menstruação

ou agradecesse por ter sido deflorada.

Talvez por isso é que seu rosto enlangue,

após ser feita a desejada intervenção,

por em mulher ser finalmente transformada.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/05/2012
Código do texto: T3675077
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