Cuba Libre

Cavalos sofrem enquanto você passeia.

Hoje é um daqueles dias.

Um raro e radiante dia

em que Camus reina.

Em que eu entendo e aceito

toda a crueza que a vida me obriga a ver e a sentir.

Cavalos sofrem enquanto você passeia.

Deixo a escuridão me tocar.

Abraço a tristeza e a insuficiência de todas as crianças, mulheres e homens do mundo.

Abraço a dor

de todos os seres maltratados pelo ódio do próximo

e não sofro.

Milagrosamente,

não sofro.

Mas os cavalos sofrem enquanto você passeia.

As traições, as trocas de olhares

que irão acarretar tanta raiva e miséria.

O desprezo, a indiferença.

Hoje eu nasci para boiar no meio disso.

Morte, pobreza, fome, saudade.

Lanço a fumaça envenenada para o ar

e mesmo sendo um ínfimo

amontoado de sangue, carne e merda

que não sabe para onde vai,

caminho confiante, bebericando minha cerveja

como um galo dourado

e prestes a virar ceia de Natal o faria

enquanto cruza um enorme galinheiro sem nexo.

Cavalos sofrem enquanto você passeia.

Levam tapas na cara.

São impedidos de comer.

Respiram ofegantes e babam de sede.

Puxam carroças com pesos inimagináveis,

são abandonados quando caem

quase mortos no asfalto quente.

Tudo isso

enquanto eu desmorono continuamente,

como um grande castelo de cartas.

Como uma longa e pobre trilha de dominós

erguida por uma criança.

Desmorono, desabo, descarrilho

e finalmente me desfaço

até que a única coisa a restar,

seja apenas uma ideia,

um poema.

O Bêbado
Enviado por O Bêbado em 30/12/2021
Código do texto: T7418484
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