Velha Sanga

Serpenteando o arvoredo,

A velha sanga troteia;

Nascida em berço de areia

Numa noite de aguaceiro;

Teve o vento por parceiro

Nessa gaudéria aventura

De ir sangrando a planura

Sem permissão do posseiro.

Sem mesmo pedras de porte

Travaram sua passagem

E dando rumo à viagem,

Fugindo ao destino errante,

Em seu andar incessante

Constantemente se abraça

Com um riozito que passa

Lá nas bandas do distante.

E sempre que o Sol se achega

Aos pelegos do horizonte,

Costuma vestir-se a fonte

Com pilches de entardecer;

Vê-se uma estrela reger

O coral do passaredo

Que do palco do arvoredo

Quer a sanga adormecer.

Quando se abre a cancela

À noturna liturgia,

O pipilar silencia

Ante ao murmúrio que cresce,

Chamando a Lua que desce

Para brincar em suas águas,

Esquecendo assim as mágoas

Da solidão que padece.

Tem despertado caprichos

Em muita prenda vaidosa

Que vem mirar-se orgulhosa

No tosco espelho corrente,

E um sorriso inocente

Mostra a candura dos lábios

Que não ocultaram ressábios

De beijos inda recentes.

Pequenos seixos jogados

Formam anéis de ilusões

Que levam a reflexões

Quanto peão sofredor

Que vem a expressar a dor

No rude confessionário

Em que o vento é o vigário

E também sofre de amor.

Velha sanga do piá,

Banhando o fogoso pingo,

Dos folguedos de domingo

E da pipa transbordando;

Aos poucos foram ficando

Sepultados a distância

E as águas da minha infância

Por onde estarão rolando?

Publicado em "Acalantos"

Jorge Moraes
Enviado por Jorge Moraes em 31/12/2009
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