GUASCA DE FIBRA

Eu vou contar pra vocês

a historieta de um coera,

que lutou como pantera

por ter u’a paixão sem fim.

Isto que eu vou lhes contar,

do índio que não soube amar

escutem, foi bem assim:

Na campanha vacariana

mais ou menos pressuponho,

foi criado mui risonho

desde o bercito aos treze anos,

acostumado no campo

só respeitando Dia Santo

sem conhecer desenganos.

Criado como potrilho

que fica bem redomão,

não conhecia coração

o seu, era como uma pedra.

Da china não conhecia

a manha que possuía

no que o destino enreda.

Gostando de pular cedo

e bem loguito ia ao lombilho,

de qualquer bom potrilho

sem fazer cara feia.

Porém, amassou cupim

e comeu muito capim

mas não corria da peleia.

Certa vez... Já nem me lembro...

de certo foi em agosto,

por ser o mês de desgosto

um fato lhe aconteceu:

foi com muita ansiedade,

que se mudou pra cidade

e muita coisa aprendeu.

Mas... Antes dele partir

recordou seus lindos pagos,

que o criaram entre afagos

com bastante paciência.

Ao olhar firme pro galpão,

viu cortar-lhe o coração

por mudar-se de querência.

Em silêncio com dor n’alma

campeou-se a um cemitério,

onde um gaúcho muito sério

fez a última moradilha,

pois tombara em outro chão,

pela nossa Tradição

na Epopeia Farroupilha.

Este índio que ali está

é baluarte de caudilho,

me orgulho de ser o filho

deste bueno gaúcho creu

e peço ao Patrão Celeste,

que perdoe-te velho agreste

dando-te a paz lá no céu.

E como todo piá novo

que tem seu sonho dourado...

queria ser moço estudado

para ser gente algum dia.

Com esforço, com trabalho,

qu’êle saiu lá do borralho

pra morar em Vacaria.

E foi então que ele sentiu

metamorfose mui estranha,

o bueno gole de canha

pelo tal whyski mudou.

Pelo lenço que lhe enfeita,

foi uma gravatinha estreita

que no pescoço amarrou.

Em vez de bombacha larga

já usa uma calça estreita,

e a botona que lhe enfeita

o entono de xiru guasca,

por um sapato trocou.

A guaiaca também mudou

já nem usa mais chavasca.

Com tão estranha mudança

em um colégio ele entrou

para estudar, e estudou,

cada vez ficou mais guapo,

e passando dia após dia,

ainda nas veias corria

o velho sangue farrapo.

E foi neste meio tempo

Que ele conheceu uma jovem,

e seus olhos a absorvem

em pura felicidade,

é diferente das prendas,

que conhecia nas fazendas

era um mimo da cidade.

Por ser um guasca novato

de tão pouca experiência,

obedeceu sua tenência

bem logo se apaixonou.

Foi uma paixão de puro aço,

que lhe prendeu como o laço

que o zebu não rebentou.

E quando ele estava ao lado

daquela prenda faceira,

daria sua vida inteira

para que alguém os levasse:

pra invernada lá de cima,

que é a Querência Divina

onde o Patrão os casasse.

Porém seria mui melhor

não a tendo conhecido,

logo já era esquecido

e o porque ele não sabia.

Pois o golpe foi tão sério,

que o chiru virou gaudério

cachaceiro e sem valia.

Virou andarengo o taura

e a china boba Maria,

de certo se arrependia

do que lhe houvera feito;

De joelho sem prepotência,

pediu perdão e clemência

chorando em grande deleito.

Porém, o guasca foi rude

seu orgulho estava em ferida,

deixou a chinoca estendida

que chorar já nem podia.

E disse bem entonado:

sofro, mas sofro calado

não quero a china Maria.

Saiu galopando o baio

e relembrando do que era,

viu-se virado em tapera

quando está mal assombrada,

toda cheia de buraco,

onde o petiço retaco

deixou de fazer sesteada.

E foi então nesse momento

que magoado ele pensou,

e até sorriu, pois lembrou

dum já mui velho ditado;

e repetiu bem baixinho:

eu prefiro andar sozinho

do que mal acompanhado.

Mas de pronto sentiu um nó

que na garganta fazia,

lembrou da china Maria

Eta lindaça chinita!

Como todo gaúcho faz,

cospe e não se lambe mais

somente a voz que palpita.

Como é triste nesta vida

ao estarmos apresilhado,

e a sina nos ter guardado

uma surpresa cruel

que nos fere o coração,

tal qual a desilusão

amarguenta como o fel.

E há gente que não sabe

a dor que o xiru sente,

vendo distante no poente

a chinoca de seu agrado,

fica só e sem guarida,

por ter perdido na vida

quem ele mais tinha amado.

Desculpem-me os que ouvem

a estória deste guapo,

seu coração já é trapo

pela traição que sofreu.

Não o julguem um palhaço,

por ter sido um fracasso,

pois este gaudério sou eu.

Tapejara Vacariano
Enviado por Tapejara Vacariano em 05/08/2014
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