LÁPIS-LAZÚLI (13)

AMANHECER EM LUZES

Quando vier o amanhecer,

virá um cântico de glória

nas alvoradas do céu...

Embelezado pelos portais,

então poderemos, quem sabe lá?!

ver a glória perpétua

a suspirar correntes contínuas de amanhecer...

no reconhecer do vasto campo de flores,

onde cintila o brilho

resplandecente de uma manhã feliz.

Veremos, quem sabe lá?! a cor

do dia abraçando o óleo-bálsamo

de luz, onde reencontrará, sabe-se como?!

Cristo na glória.

Então não existirá o pavor repentino...

Só Cristo na glória,

só Cristo na glória...

Então já não existirá o pavor repentino,

só Cristo na glória...

FAVELA E LARANJA

No alto do morro, onde a base se espelha,

simplesmente se espalham as favelas,

puramente se espalham.

O sol também lá está

no alto do mais do morro,

e ele é uma grande laranja,

irradiando fartura,

os seus gomos

se espremem em raios;

abstratamente trazem

o sonho do alimento aos favelados.

A imensa laranja sobre a imensa favela,

a laranja parece inatingível,

o seu doce alimentador

é distante.

A laranja é irradiante;

a fome também o é.

O sol espalha o vigor

da força, da procura do alimento.

O sol é uma laranja

na flora realista do universo.

Aqui em baixo,

a favela...

Do morro parece mirar

o sol, a fonte...

A fome é a busca da laranja,

a laranja suculenta gira distante

e a favela parece rezar,

um presépio armado para o sol.

A noite vem,

mas logo ressurge a laranja,

e a vontade e a angústia multiplicam-se.

O sol é uma laranja

sobre a fome e a sobrevivência dos cortiços,

provando que a força do alimento está presente,

e a natureza está presente na sobrevivência do homem.

O sol sobre a favela,

a laranja doce em raios, na exuberância,

na fartura e na repartição do suco

entre os homens.

A laranja é doce para todos...

E as classes sociais, ora, as classes,

as classes não se afirmam,

afirmam-se as favelas

a irradiar vontade sob a fartura

da irradiação da laranja, incêndio de fonte.

A laranja passeia

e a favela é uma teia ao redor,

e a favela é o suor...

A laranja está no morro,

cumprindo a missão de morte,

que parece semeada entre os sobreviventes.

A favela

e a contradição

do alimento sobre apenas a sua vontade.

VIAJANTE

Viajante das antigas eras.

Queria ser o que foram os meus pais

ou algo mais...

Caminho no presságio infindo

de um amanhã que não chega, contudo, há de chegar!

Boreal não se reconhece na alfombra

aziaga do medo.

Inclino as vestes no amanhecer escondido

de um dia qualquer.

Visto-me além túmulo como um lírio qualquer.

Visto-me na pressa infinda de não contar

com o amanhã.

Reconheço um pesado passado de flamas e trevas...

UM CAMINHO AO NORTE

Um caminho ao norte

que talvez nos leve ao sul da concórdia.

Uma nova alvorada

de dias em floras.

Uma sombra de amor renascido

na alfombra do desejo polido.

Revestir-se de sentido eterno

é revelar-se no ontem.

Do dia, em presságio, de uma nova aurora

em flor,

uma caminhada ao norte,

que nos leve a leste de fronteiras insondáveis

de novas descobertas, novo sentido além...

A prosperidade de um dia em luta...

A VÉSPERA E A VESTE

... de quem sonhou e não se descobriu.

O dia é frio

e o consulado do desamparo

cerrou as suas portas.

O dia é de infâmia

e isto não é flama.

É a véspera da veste

na véspera do oeste.

O sol de quem morreu

sem conhecer o abrigo

onde as plantações

se despedem de sua ordem.

Cerrar as portas

como cerrar os olhos,

a leste e a oeste,

como o sol se encerra.

É véspera da consumação

que reconhece o seu consumo.

É o sumo das plantações

perdido no resumo

das inundações dos olhos horizontes.

É a parte de infâmia

que se transporta,

é a horta seca,

e a sustentação que se eleva nos ares

não tem fôlego,

e a véspera de todo dia

não veste o seu azul.

Nem a parte infinita se conforta,

sem comportas descarrega-se

o dia de frio vespertino.

Não veste o seu azul o destino,

não veste a sua véspera

o próximo inverno.

Adeus, primavera...

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2006