A CONDIÇÃO HUMANA (1)

AUTÓPSIA DOS MENDIGOS

Espaço-treva que desconsola

no transe que se percorre.

Aflição constante que fulmina

formiga envenenada no canteiro.

O transeunte aflito que percorre

o espaço-treva que se multiplica.

Pensar desesperança como a pedra,

o espírito que morre em pedra.

Espaço-pedra erguendo muralha,

derramar-se pelo chão,

transbordar o fim de si

na sua pedra.

Espaço-muralha que se ergue,

a sina do obstáculo em si mesmo,

ficar no dia tecendo o vento.

Pensar esperança como muralha,

no espírito da dor que se retalha.

Autópsia invisível no

torturante concreto, e

não saber o que fazer do aflito.

Espaço-corpo a retinir na mesa

onde se alimenta o gelo e o suor.

Espaço-corpo, dissecado o espírito,

descoberto o desespero, dilacerado o corpo,

na escola da mendicidade.

Medicina, mendigos e cidade.

Digo, também, a sina de todos nós.

Médico que se desconsola ao ver

a morte assim tão restrita.

Espaço-pedra do albergue onde

se recolhem espíritos esfarrapados.

Cobaias da indiferença, tapete no solo.

Bisturi aprofundando a sentença,

a descoberta do desvio

do espírito resvalando na pedra,

na aflição de muralhas em corda bamba.

Cirurgia final, órgãos arrancados

em meio à agonia de corpo, espírito

na orgia final.

Muralhas dos hospitais aprofundando

no albergue do corpo que lá se vai.

Espaço-corpo que lá se vai,

membro por membro, o espírito esparramado como sangue.

Indiferente, a autópsia segue o descortino no vazio...

TUDO JUNTO AO MESMO TEMPO AGORA

Tristezas, mágoas e desesperos

vêm brotar no final de uma época insana.

Tudo vem ao mesmo tempo...

o terror nos recortes de jornais,

as rajadas dos endinheirados

e a opressão da insanidade.

Agora, vem o suor dos oprimidos,

clamando a libertação pela Nova Jerusalém.

Tudo junto vem...

a insensatez de uma época

em que até as criancinhas são vítimas.

Disto, só resta a esperança de um vitral

na igreja eterna,

na qual todos cantarão

em perpétua felicidade.

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2006