TEMPO DAS COLHEITAS

José António Gonçalves

Não sei se já vos disse

ou se ando a pensar alto:

chegou o tempo das colheitas

e nada mais será como dantes

nos campos das coisas simples

onde foi possível usar o corpo

e gritar às nuvens com a nitidez

do prazer no voo

das aves migrantes

Se fizermos silêncio ouviremos

o apelo de tudo quanto cresceu

para que aproveitemos o Sol

e a jorna azul e a força dos braços

o cantar dos ribeiros e lancemos

mãos à obra no recolher absoluto

do que agora está maduro de vez

no amor à terra

irresoluto

É como uma guerra pela sobrevivência

em que valem todas as armas

e não se escolhe a melhor pólvora

guardada no fundo do paiol

para derrotar o inimigo aos pedaços

na quietude

da consciência

Chegou apenas o tempo da colheita

o momento de ficar ou de partir

de separar o joio do trigo

de arregaçar as mangas brancas

contra o breu da morte e do luto

com a lanterna acesa

e a mala feita

Deita-te comigo

devagar

pensa que depois poderá não ser a hora

nunca mais

de se entrar pela eira dentro

e de aproveitarmos o viço do verde

para voltarmos a semear

José António Gonçalves

(inédito.22.06.04)

JAG

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Enviado por JAG em 16/06/2008
Reeditado em 16/06/2008
Código do texto: T1036535