De poesia e de papel
Na folha parda eu faço um traço, na vida dou mais um passo...
No papel eu amo à toa, na vida amo paredes e masmorras...
Da dobra eu faço um barquinho, o barquinho no sonho navega
Na vida eu não faço nada senão senões e à deriva trafego...
Entre papel e vida, lápis e poeta se misturam e se consomem
Do nada surge um arrebol, que depois é fraco, o escuro quarto...
Às vezes imagens vêm, a folha sobre o criado, o lápis guardado
A alma ri e chora, punhal no peito, de poeta e de angústia....
O barquinho deslizando oceano abaixo, o sonho se esvaindo
Os senões surgindo, mais não do que sim, tateando sigo na escuridão!
Ouço paredes e vejo zumbidos, apago as frestas da porta
Estragos que fiz, entornados todos, janela abaixo...
E se sozinho me entrego ao sono que me distrai o sonho
Logo vem o pranto e desmancha o traço que surgiu no passo
E claro fica, e noite fica, e o dia que não vem, o punhal singrando...
Vida redesenha o coração amedrontado que não mais chora....
Se das negras nuvens não emana a chuva que seca a sede
Da penumbra se batem paredes e sonhos, janelas e amanheceres...
Dia vem, quanto desejo que amanheça um dia que seja!
Ter a luz do sol flamejando o calor que de mim não se aquieta...
Como preciso que essa noite passe ou que eu durma ou desfaleça
E o barquinho não se derreta neste oceano intenso e implacável
E o traço supere esse frio que me abraça e essa noite que não passa...
De falsos arrebóis, poesia e céu sem estrelas e de vida em vão...