A CONDIÇÃO HUMANA (2)

TIRANO

O que domina o mundo são as vozes. Transposição...

A sucessão, a sessão de soco,

o que domina o mundo é o oco.

Conhecer o que os braços fabricam.

O que domina o mundo: os tenazes.

Transposição... Uma corrente é atada a cada pé.

Vozes satisfeitas com o inferno.

O que domina o mundo é o seu ritmo

de braço contra braço.

De voz matando voz, após o ato

que é a loucura.

O que domina o mundo é oco, é o monstruoso soco.

Pertence ao mundo, mas o odeia,

é o homem e a reprodução de sua idolatria.

O “mundo” que domina suas vozes, o mundo das vozes,

de braço transpondo braço,

de corrente tramando o pé.

O crime é um só

e deixa oco o peito, a alma,

a sessão de louco, idolatria...

O mundo é um só, não é o mundo das nuvens.

O mundo do só humano,

do crime humano.

É sessão de braço contra braço.

O mundo que se deixa dominar

é intramundo dentro do homem,

de força que borbulha idolatria.

O mundo se cria, mas alguém o domina.

É o homem do intramundo e sua chacina.

Sabe-se transposição alguém que transforma o homem?

À exceção do homem, o oco convencional...

Saber-se transposição. Alguém intramundo, mais além

poesia que transpõe corrente.

Punhal pacífico que desmente o tirano.

Idolatria que se dissolve.

O mistério que cria, esquece o crime

e absolve o humano.

Homem além da humanidade, extra-mundano,

a sessão que se acaba, descanso...

Morto o trabalho do tirano.

Apesar de louco, homem que transpõe homem, sublime

encanto que fez pó o inferno, a idolatria e fim; encanto que nasce

imagem e que transpõe intramundo do após.

Encanto, por enquanto, cisão-implícito: TIRANO E ESQUINAS...

GRITOS

faminto homem caminha

na crueldade de todo dia

tem a mesma face minha

mesma marca de agonia

sua boca não sabe prece

conhece apenas violência

triste ele próprio reconhece

bebe lama da demência...

Pressinto que um homem caminha

para o caos demoníaco dos dias.

Bondade, quem sabe ele possuíra?

Mas maiores foram os gritos das fobias.

Seus olhos não vêem mais a luz.

Conduz, apenas, sua vida ao poço fundo,

onde sua alma aleijada carrega a grande cruz

de um ser louco que só soube ser imundo.

Sinto que sou o homem que caminha

na obscuridade tão triste dos solitários.

As lágrimas inundam a minha face,

assim como o trabalho destrói a mão do trabalhador.

Meus ouvidos os salmos não escutam,

bruta foi a natureza a meu sentimento.

Há muito me cansei da miserável luta

de um espírito que não tem renascimento.

Extinto está o homem que caminha...

Morto, pois, só merecia este castigo,

espelho da face minha,

que sempre se entregou ao inimigo.

Suas narinas respirarão o incenso voraz.

Encontrará, assim, covardemente, seu jazigo.

Neste negro sótão, no qual os nervos sufocam a paz,

onde não se vê nem a sombra de um amigo.

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2006