A Travessia


Esperançosa, ela gera com amor o filho

envolto a um manto sagrado: “o ventre”.

Ele, pequenino e indefeso ainda não vê,

o que se passa do lado de fora!

Está bem protegido pelas paredes confortáveis,

quentes e sólidas, daquela que desde já o venera.

Ele ainda não sabe o que é o sofrer, a fome e o frio,

as necessidades e as dificuldades que terá de enfrentar,

mas sente perfeitamente as correntes de vibrações

positivas e negativas fazendo a travessia,

através do olhar daquela que se angustia,

ao registrar na memória, retratos de um povo sofrido

em busca da tão sonhada paz...

Ora é a imagem de uma criança desnutrida de mãos dadas com a mãe,

rumo a um destino incerto, ao lado do pai desesperado


em passos desalinhados à procura de um novo emprego,


que aceite a sua idade avançada, ou a sua ignorância...

A de uma família feliz, no playground de seu luxuoso prédio


a brincar numa tarde de domingo ensolarado.

A de um estudante do terceiro ano cabisbaixo,


preocupado com a faculdade, que ele não terá!

A mulher bem vestida estacionando o seu carro,


e a senhora maltrapilha de mãos estendida no faról...

É chegado à hora dele, o pequenino,

fazer a tão esperada travessia,

deixando para trás a mãe placenta,

o conforto e a segurança de um mundo perfeito e feliz!

Horas passam, o dia chega ao final,

a noite atravessa a madrugada,

e a bolsa se rompe entregando-o aos cuidados

de um mundo inseguro, egoísta e desigual...