Pedestre Matutino

A manhã é seca;

áspera como seu toque,

cinza como seu olhar de desprezo.

Corta a epiderme um vento frio e veloz.

Parece navalhas suspensas no ar,

rasgando minha face desprotegida.

Meu coração já não dói por esse amor –

graças a Deus (?).

O coração que é mero habitat de carnes e infartos.

Este coração que sangra a cada palpitação,

e a cada dia sem o sol.

Hoje procuro uma luz mentirosa.

Hoje gostaria de ter dormido até amanhã,

mas há trens que cortam os trilhos sem pagar pedágio.

Estou preso e condenado a não encontrar sentido,

ou a falsa e confortável felicidade

prometida por livros vendáveis.

Ora, manhã fria e maldita,

que rio fedorento e nebuloso me trazes!

Ó, fábricas que “fumaceiam” e apitam ensurdecendo nossos sonhos;

calando pardais famintos.

Preciso sair desse momento.

Ainda é manhã

e será por algumas horas.

Por isso, tenho que sair desse momento.

A manhã é seca,

eu estou seco e com fome.

Me misturo e me pareço com os demais.

Agora, só me resta andar na faixa de pedestres.

Raul Furiatti Moreira
Enviado por Raul Furiatti Moreira em 29/07/2008
Reeditado em 27/11/2008
Código do texto: T1102411
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