herança

Herdei quase todos

os genes tortos da família

Herdei a loucura

Dos que enxergaram perto

observando muito

olhando direito

Dos que viram

Dos que sentiram

a dor

e fez silêncio

por ter aprendido

Dos que tomaram consciência

da própria pequenez

condenados

Acusados de se sentirem gigantes

Dos que ajudaram a traçar a história

da espécie

humana

Dos que souberam o que é ser livre

de fato

enclausurados

Dos que buscavam

e acabaram em fogueiras!

Herdeiros

Parecemos

quase todos

enfermos

das mazelas da história

Parecemos presos

quase todos

ainda

entre senzalas e casa-grande

entre europas e canaviais

entre bateias e navios

Ai de mim

Sou cria da mistura

Ai de mim

E de todos os outros

Outros que como eu

nasceu

entre brancos muito brancos

pretos muito pretos

amarelos muito amarelos

Entre vermelhos

que se perderam

na saída da floresta

Ai de todos nós!

Não aprendemos a rezar

Clamamos!

Em nome do pai e do filho

À mãe chamamos por espírito

santo

E de tão santo seu espírito

tomaram-no

enclausuraram-no

proibiram-no

de sentir

em nome de deuses

E em nome de Deus

tenho como legado

a poesia!

Suzane Rabelo
Enviado por Suzane Rabelo em 04/09/2008
Reeditado em 27/01/2012
Código do texto: T1162109