Sexta, sábado, sempre
Sexta, sábado, sempre
I
Um sexto sentido
Um sétimo céu
Um mal-entendido
Um eixo quebrado
Lá dentro da gente
Fazendo um gemido
Um ogro pintado
Buscando no espelho
O instante perdido
É sexta, fujamos!
Fujamos da gente
Num copo gelado
E que decotado
Que é tão indecente
De tão perfumado!
E meio assustados
Chupando-se as bocas
Os dois excitados
A línguas serpentes
Se enroscam, se picam
Trocando venenos
Se morrem, se vivem
Se amam, desistem
Não sabem, só sentem
II
A sexta se foi
Tão rápido, pois
Que o Sábado chega
E este os encontra
Os fardos humanos
Que são por enganos
Dos cantos imundos
Emergem fantasmas
Buscando descanso
Um coro de vozes
Revezam suspiros
Risadas e gritos
Aquelas crianças
Brincando, sumiram
Fugindo no vento
Ouvindo o lamento
Das mães desamadas
Doentes, marcadas
Demônios da noite
Arranham as sombras
À busca de almas
Que ora estão salvas
Nos braços do Sábado
Que, então, as resgata
Guardando este dia
O judeu fingia
Haver trabalhado
As patas marcadas
Na lama dos becos
São águas passadas
A cólera esfria
Na luz que traz dia
Tardia lanterna
Na tarde tão terna
O dia atravessa
Passando depressa
Na noite, os lobos
Uivando, babando
Devoram meninas
Tão cheias de vida
Sedentas de morte
São sempre atrevidas
Nos cantos encontram
Em beijos etílicos
Parceiros insípidos
Meninos levados
Em meio a seus tragos
Enxergam vermelho
Na noite, avançam
Amantes em brasa
Sereias que encantam
Sozinho, em casa
O homem embriaga
Su´alma com vinho
Bebendo, mentindo
Nem vive no Sábado
E sonha Domingo
III
Nem mesmo as prisões
Impedem que os galos
Emitam seu canto
Bem-vindo, Domingo!
Começa a semana
Com todos dormindo
Por trás das igrejas
Demônios descansam
Atrás das cortinas
Dos hinos, gracejam
Dominando as ceias
Debaixo das mesas
Olhares se cruzam
E logo se afastam
Como fossem imãs
As horas confinam
O tempo que salta
Mas faz tanta falta
IV
Um fim-de-semana
Se vai sem remorso
Chorando a Segunda
Vivendo nas brechas
Do tempo que ainda
Da vida nos resta
Cavando memórias
Dos parcos momentos
Inventam-se histórias
Sorrisos e lágrimas
Preenchem as páginas
De biografias
Viver já não basta!
O homem se afasta
Das dores sofridas
Nos restos que sobram
De vidas vendidas
As horas demoram
Vendemos um olho
Sem ver a cegueira
Com este que resta
Pesando nas costas
Uns fardos estranhos
Nos fazem de bestas
Marcados nas testas
Os preços escondem
Quem somos, quem fomos
No mundo, esta feira
Vendemos os anos
Buscando quem queira
É assim que trocamos
A vida por ouro
Que damos de volta
Que grande negócio!
Sentimos mais falta
Dos jogos mundanos
Malditos humanos!
Que junto c´os anos
Entregam suas almas
Enfeitam seus corpos
Enganam sua carne
Com drogas que os dopam
V
O galo que canta
De sua cadeia
É este poeta
“Que canto é este?!”
O humano, contente
Tão lento, desperta
Um grito de alerta!
É disso que cuido
Na hora que resta
A hora é esta
Rejeite as ofertas
Que o mundo apresenta
Agora é sempre
E, sem que se lembre
É tudo que importa
VI
No logro da mente
A imagem da gente
Que nos é imposta
É incoerente
Com esta proposta
De ser permanente
Viver por dois dias
Vendendo outros cinco
E na sexta estar rindo
Que é isto, amigo?!
Feliz c´o salário
Que acaba domingo?
Nem isto faria:
Viver cinco dias
Em troca de dois
Não vendo meu dia
Em troca de nada
Que venha depois
VII
É a covardia
E não o cercado
Que prende os bois
(Djalma Silveira)