Rio de Tijolos

Não vejo os bêbados à mesa.

Nem ouço seus risos ecoando cerveja.

Observo os peixes que nadam cravados

no rio de tijolos e emboço mal feito

-mais areia que cimento-

Espero que seja areia de rio.

Estranho esse cardume vário

numa simbiose improvável.

Talvez tenham se unido por medo.

Ou para desviar o perigo, um disfarce ...

Vem a chuva em espessa precipitação.

Embaça meu olhar agora ausente

Dele brotam rios e afluentes

formando uma rede assim,

silenciosa e quente. Um aluvião.

E pelo meu rosto se ramificam,

passam impunes pela minha boca,

afogando em cloreto de sódio

a palavra desnecessária.

Calam-me as letras como um beijo triste

- aqueles de adeus -.

Descem vorazes sobre meu leito de pele

sussurrando histórias que se confundem

com minhas pedras roladas, polidas na dor.

E desenham trajetórias, mananciais

quedas d´áqua em meu pescoço.

Se entranham sem consentimento

por baixo do vestido. E me arrepiam...

Desaguam em corredeiras ao

centro do meu peito, os atrevidos !

Percorrem o cânion deserto,

já em franca evaporação.

Um filete ousado alcança o ventre

e de um lago dourado deixa vestígios

Meus rios são muito salgados,

mais densos que o Mar Morto.

Talvez estejam mortos também.

Os peixes os olham com puro desdém.

Devem ser peixes de águas doces

ou simplesmente não precisem de rios.

Sentem-se mais seguros na fria parede

de tijolos e emboço mal feito.

Mais areia que cimento.

Só espero que seja areia de rio...

Claudia Gadini

07/08/05