Torturador

Torturador

Cuidem-se cães, os vermes espreitam

em cada esquina noturna.

Há sangue em tuas mãos sempre direitas

sempre violentas e vãs.

Lambam os tacões dos ombros estrelados

decisores, inquisidores do destino humano.

Podres carcaças povoarão teus sonos

sem sonhos, sem luz. Só pus.

Pense na família na primeira queimada

no cigarro acesso no peito do prisioneiro

pense em Deus

ao pendurar mais um no pau-de-arara.

Pense na filha ao violentar a inocente

Pense em tua alma ao arrancar mais um dente

e um grito de dor.

Torturador

Rio de Janeiro, 2 de abril de 1979

Aos 14 anos eu já era politizado e convivia com pessoas politizadas. Além da meu egoísmo adolescente vinha uma consciência do que o Brasil vivera e ainda vivia. Tive parentes próximos presos pelo regime militar, este poema foi um grito de revolta pelos muitos estudantes e trabalhadores desaparecidos por serem incômodos para a ditadura. Politicamente esses crimes não existem mais (?), mas a tortura ainda é prática comum em quartéis, delegacias e cárceres em todo país. Em nome da segurança perdida pela classe média e pelos mais abastados, muitos aplaudem e julgam por sí o que nem o judiciário julgou. Na dúvida, prefiro mil criminos ilesos do que um único inocente torturado. Tenho cicatrizes que me dão razão.