Noite citadina

É noite fria na cidade.

O vento rasga a esperança.

Há corpos submersos na maldade,

vivendo apenas de lembrança.

Maldade pintada nos jornais

que cobrem vidas sem razão.

Vidas já mortas de fome e sem perdão,

que, de sonhos, já não vivem mais.

É quando o sereno da madrugada

apaga o brilho de olhos soturnos

e de uma lágrima não chorada

por corações cálidos e taciturnos.

Dói a fome,

cansa o corpo indigente

e sem nome.

Falta o olhar de compaixão

que não se emprega

a essa tão dolorosa visão.

Brilha Vênus matutina

trazendo o dia

e luz à mortífera sina

que se amplia.

É uma luz falsa e inexata,

que não erradia vida.

É de todo esculpida

do mármore de nossa sociedade barata.

Nossa mãe desnaturada,

a parir a dor de perecer

pela esmola tão clamada

por não se ter o que comer.

Dói a perda e o abandono.

Sem escola ou respeito,

sangra o coração sem dono.

A miséria viril que fascina

e acerta olhos culpados como os meus,

com verdade, nos assassina.

Então é entardecer.

É nova noite que se constrói.

Não demora a aparecer

o frio rasante que destrói.

À beira do rio poluído

e dessa hipócrita sociedade,

há resquícios de bondade

no bebê que morde o seio desnutrido.

Fria, mais uma vez, nasce;

cantemos à noite que aparece.

Desigual, nos rasga a face,

e, de louvores, o óbito enaltece.

Ode à noite citadina.

À marginalidade infinita,

que os desejos elimina.

Um brinde ao Estado,

às ONGs oportunistas

e ao canto do poeta arrogado.

Raul Furiatti Moreira
Enviado por Raul Furiatti Moreira em 13/11/2008
Reeditado em 21/11/2008
Código do texto: T1281423
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