Noite citadina
É noite fria na cidade.
O vento rasga a esperança.
Há corpos submersos na maldade,
vivendo apenas de lembrança.
Maldade pintada nos jornais
que cobrem vidas sem razão.
Vidas já mortas de fome e sem perdão,
que, de sonhos, já não vivem mais.
É quando o sereno da madrugada
apaga o brilho de olhos soturnos
e de uma lágrima não chorada
por corações cálidos e taciturnos.
Dói a fome,
cansa o corpo indigente
e sem nome.
Falta o olhar de compaixão
que não se emprega
a essa tão dolorosa visão.
Brilha Vênus matutina
trazendo o dia
e luz à mortífera sina
que se amplia.
É uma luz falsa e inexata,
que não erradia vida.
É de todo esculpida
do mármore de nossa sociedade barata.
Nossa mãe desnaturada,
a parir a dor de perecer
pela esmola tão clamada
por não se ter o que comer.
Dói a perda e o abandono.
Sem escola ou respeito,
sangra o coração sem dono.
A miséria viril que fascina
e acerta olhos culpados como os meus,
com verdade, nos assassina.
Então é entardecer.
É nova noite que se constrói.
Não demora a aparecer
o frio rasante que destrói.
À beira do rio poluído
e dessa hipócrita sociedade,
há resquícios de bondade
no bebê que morde o seio desnutrido.
Fria, mais uma vez, nasce;
cantemos à noite que aparece.
Desigual, nos rasga a face,
e, de louvores, o óbito enaltece.
Ode à noite citadina.
À marginalidade infinita,
que os desejos elimina.
Um brinde ao Estado,
às ONGs oportunistas
e ao canto do poeta arrogado.