“Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador”.
Carlos Drummond de Andrade
 
***

Mosaico
 
Amanhã talvez tudo volte ao lugar.
Amanhã, porque agora é desordem de cacos.
Estranho as formas que me abraçam,
estranho o caos, o embaraço.
Tudo circula na estranheza que resta,
e o que resta arde feito febre
num olhar que contesta.
 
Quem sabe amanhã, numa luz sentinela,
meu corpo desperte em suaves acordes.
 
Porque a manhã comparece vestida de branco.
Aos poucos furta a cor do dia e se despe
em pequenas despedidas que não se percebe...
e quando se vê já bateu seis horas.
 
Hora do pouso da Ave Maria.
 
E quando tudo volta ao lugar
eu colo os cacos de uma porcelana fria
onde havia uma rosa chá de canela
e um cravo no casco de um corpo
que ainda me espia.