O fim da poesia

A poesia é o que resta

Da inexistência que é o ser

E da pobreza total que é

Existir na imensidão.

É o que nos cabe

Em tantas coisas que não vemos

Que de tão ínfima

Só existe por não existir.

É o elogio do infinito à nossa miséria

É a dimensão do irreal

Da relativa e tênue

Pele que cobre a carne do Cosmos.

A poesia não é o sangue

Não é essa pele

Não é dessa carne

Não é o corte

Nem é a lâmina que corta.

É a própria possibilidade

de haver uma ferida.

Se há uma ferramenta

Uma arma

Um instrumento

Um meio

É o poeta.

Há um fim, creio que haja

Quem o saberá?

Decerto não será Deus

Que desconhece a poesia

Porque se há Deus

Este é perfeito

E a poesia é uma falha na perfeição.

Decerto não será o Universo

Posto não reconhecer nas próprias dobras

As incertezas em tantas e

Irreparáveis leis sem reparo

Remendo ou peça de reposição.

Decerto não serão

O Tempo e o Espaço

Posto serem eles mais ilusórios

Que uma imagem refletida

De uma imagem refletida.

Decerto não será

De forma alguma o poeta

Que dirá qual é

Do poema

O fim.

O poeta faria o mesmo que

O Universo

Que sustenta as leis

Que sustentam o Espaço

Que sustenta o Tempo

Que sustenta o Mundo

Que sustenta as paredes

Que sustentam os espelhos

Que estarão defronte

Um para o outro

Até que tudo se acabe

Ou mude.

Quem pode saber

O fim da poesia

E que não dirá jamais

É a palavra.

É muda e em si

Não há nada

E há tudo

Eis o que nem Deus

Se existe

Previa.

E Deus, lembrai, é uma palavra.

Em si não há lei alguma

E há todas

Porque traduz

O que o Universo precisa

Mover-se inteiro

Para fazer.

E Universo, lembrai, é uma palavra.

O Espaço e o Tempo

Não cabem nem duram

Dentro de si próprios

Tanto que dependem um

Da existência do outro

Mas cabem e duram tanto

Quanto duram tempo e espaço, que

Lembrai, são palavras.

O poeta que pensa que

Acredita que se lembra

Por toda a sua vida

Sem fim conhecido

Sabe que ser, pensar, acreditar

Viver, conhecer, recordar, saber, são

Ainda lembro, palavras.

Talvez não haja poesia -

Sem Deus, se existir

Sem Universo

Tempo

Espaço

Poetas

- sem meios para um fim em círculo.

A poesia é mágoa

Ressente-se porque até mesmo

Poesia é uma palavra

E não há palavra sem palavras

Como não há poesia sem poesia.