Arrumei as gavetas
Resolvi arrumar minhas gavetas
Havia algo a resolver
Esperei que muitos o fizessem e não o fiz antes.
Ao abrir a primeira gaveta, vi o tempo que se passou...
Ali havia papiros mofados, meus poemas...
Há quantos anos eu os havia abandonado!
Com eles, o poeta que sempre fui também jazia esquecido...
Sacudi aqueles papéis deteriorados e me vi em cada verso...
Nem acreditei ter escrito tantas coisas
justamente eu, perdido e embebido da própria vida...
Li de mim as palavras que levavam ao encontro do meu ser...
Ao abrir a segunda gaveta, descoradas fotografias, amores que deixei
Aqueles que da ingênua e tímida infância nunca declarei
O que me entregou a primeira rosa
Os que se desbotaram com as lágrimas
Aquele que mais me amou, que nunca esqueci
Os romances e sonhos proibidos
Os momentos de desafeição, vazio que há tão pouco me restou...
Ao abrir a terceira gaveta, vi planos deixados para trás
Os rascunhos que tracei para a vida
As profissões outrora simuladas, tantas vezes alteradas
As personagens que inspiraram escolhas
Tantos nomes que se dissiparam nas enormes listas que passei
Amizades que nunca mais vi, cujos rostos me sumiram
Tantos que me ensinaram ou que influenciei
Os exemplos que segui
As renúncias feitas em nome de tantas coisas e tantos entes...
Passei a limpo os poemas e o poeta renasceu...
Com sua folha em branco não para de escrever
Desamarrou-se das palavras que aprendeu com a tirania da rotina
É livre para dizer e semear o que o sentimento determina...
Esvaziei tudo o que de negativo ficou dos amores
Joguei fora as desilusões e os rancores, ficou somente a doçura...
Tal compartimento, dantes trancafiado
Retorna com os espaços arejados, pronto pra amar quanto preciso
Com coragem de aventureiro deixa medos e busca emoções...
Os amigos... retirei todos da gaveta
Colei seus nomes na melhor parede
Não mais hei de esquecê-los, minha estação de chegada...
A quarta gaveta...
O futuro... o que ainda serei...
Não ousei abri-la.