ironia
i.
que esperar de um mundo
de casca lisa, dura e seca
e miolo quente e macio
senão a ironia besta
de vê-lo como um ovo cozido
oval forma de planeta
ii.
na secura lisa da casca
encontrei um oco escondido
em velha pedra esquecida
a tal que o operário erudito
ignorou por ser um esteta
e o mais que aqui não repito
iii.
o oco da pedra era o ninho
duma ave cuja exótica dieta
era de pátrias, homens e livros
o que achei até hoje me espanta
e hoje ainda me assombro sozinho
um arrepio de medo ainda agora
iv.
eram ovos, uns tantos ovinhos
de casca lisa, dura e seca
e miolo quente e macio
que ironia, se essa ave choca
e assim do ovo nasce um bicho
e o bicho abre o bico e grita
v.
as cascas do ovo virariam comida
o ninho da ave viraria comida
o oco da pedra viraria comida
pátrias, homens, livros
a própria mãe do passarinho
e eu mesmo, se não sair correndo
vi.
e se ele devorar a si próprio
que ironia, meu Deus, que ironia
mesmo o nada seria devorado
melhor continuar com a ironia besta
pensar o mundo como um ovo cozido
ainda que ridícula, oval forma de planeta