NATUREZA
Ah, meu irmão,
Eu acordo e o que vejo?
O que é de nós?
Por que, por que, por quê?
Por que somos assim?
Ontem andei no meio da massa que morria
Pela voz de um Mestre de Alá,
Penso até que o Alá era o mesmo, mas,
A minha seita, não...
Depois, morríamos todos juntos
Por causa do inimigo sem Alá...
Hoje andei no meio da massa que morria
Pela voz do Mestre da Democracia,
Fazendo fila num exército regular,
E pensei: que diferença fazia?
Andei e andei, ontem e hoje
E acordei amanhã pensando no que faria...
Fiquei de fantasia em fantasia,
De tradição em tradição,
E sempre pronto a morrer
Por alguém que alimente a minha prisão...
Faz horas que reviso apoteoses hipotéticas, patéticas!...
Que pena que os Deuses do Olímpo já viraram literatura
E só me restaram escrituras com duas faces: sagrada e proscrita
Para um mesmo deus eu seguir em diferentes matadouros...
O que foi feito em nós, meu irmão,
Que arrancamos nossas tripas,
Decepamos nossas mãos,
Esfacelamos nossas faces,
Famílias, filhos, as crianças dos outros...
Choramos de tanta dor...
Mas, só não conseguimos extirparmos de nós
A origem de tanto horror?
Parece ser essa a nossa dor maior?
Será essa a nossa dor maior?
Acordarmos sem quimeras,
Livres do poder de quem quer que seja
Por que já não sentimos a necessidade
De vivermos atrás do caminho fácil,
Do mal que nos anestesia?
Doerá tanto assim, finalmente,
Acordarmos para ver?
Doerá tanto assim andarmos eretos,
Assumirmos a nossa verdadeira estatura
Dentro da verdadeira dimensão
Da nossa natureza cósmica?