TATÍ BARABADÁ

CAPÍTULO XIII

1963/1970

O Barabadá é carinhoso, mas tem tudo a ver com o ‘barabadá’ que Tatí fez com o meu coração. Mas que nunca, jamais, teria promovido algum grande desastre ou derrocada, ao contrário, posto que o todo e o tudo cometido foi amor, paixão, aquele ou aquela que não mata, não deixa seqüelas e recordações fantásticas da garota, depois da mulher, a mais bonita, a mais inteligente, a mais sensível de todo o universo no derredor da minha vida.

Conheci Tatí quando eu tinha 15 e ela 12 anos.

Numa fase pródiga, namorei diversas garotas entre esses anos aí. Sempre fui, que nem a história de uma imodesta velhinha que tinha uma residência estudantil na Rua da Vitória e sempre que seus jovens hóspedes diziam a ela: minha tinha a senhora assim toda arrumadinha, cheirosa e bonita e ela respondia: isto aí, eu sempre fui!... assim era eu, arrumadinho, cheiroso e bonito. Ah, e atencioso no trato feminino, atencioso e com cuidados e isso atraía a garotada, coleguinhas, vizinhas de rua, amiguinhas, etc, para namorar.

Vou passar a lista, não sei se lembrarei de todas, por favor, alguma que tenha esquecido, perdoa!

Por mapeamento:

Amargosa: Cidinha, Vera Maria, Maria Fernandes...

Jequié: Elisabeth, Ana Angélica, Adelina, Magnalva, Verônica...

Serrinha: Gleydes, Lucinha, Neuma, Graziela, Mirtinha...

Salvador: Tuda, Ruth, Ana Clementina, Aída, Aricelma, Soninha Dias, Tatiana...

Esta última, Tatiana! Coisa do destino, ela morava à Rua Álvaro Adorno, proximidades de Pitangueiras, no bairro de Brotas, onde freqüentamos o cinema de seu Hélio, tio da mesma, que passava fitas de “Tarzan”, “Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda e o Mágico Merlin”, do cow-boy, do maluquinho e do índio. Era um pátio coberto, contíguo à sua casa residencial que era defronte da moradia de Tatí e de sua família. Mas foi em Alagoinhas, nas férias do meio do ano de 1963, que eu conheci Tatiana e no cine Azi, assistimos ao filme Férias de Verão, estrelado por grandes estrelas como William Holden, Kim Novak e a estreante, esfuziante, Natalie Wood. Em Alagoinhas eu também dava aulas de dança, o ritmo da moda, o twist e Tatí era minha “partner” no curso, aliás, foi aí que realmente a conheci. Coincidências ou não, eu era “habituée” desde muito cedo de transitar a pé na Álvaro Adorno, além do cinema de seu Hélio, tinha a casa do considerado irmão Zé Raymundo, que era useira e vezeira de me acolher em seus cômodos, incluindo o jardim e o quintal, onde brincávamos de bola e de guerreou.

Tatí era linda de impressionar, rosto redondo, cabelos castanhos aloirados, curtos, no meio do pescoço, feições que pareciam trabalhadas com muitos requintes de cuidados e com perfeição artística de uma escultura talhada no material mais precioso pelo Mestre Divino. Olhos verdes, os mais lindos e quase indescritíveis, posto que inusitados, jamais vistos outros sequer próximos de semelhança, incluam-se pintinhas qual bico-de-pena no campo vítreo-verde, nada poderia se comparar, embora o mar, embora todo o verde da natureza...

Desfilávamos mãozinhas dadas pelo passeio direito sentido Galés / Boas Vista, no trecho da esquina da Álvaro Adorno até a José Visco ou ladeira do Pepino e de repente um pepino: D. Ivone, mãe de Tatí, que já investigava as saídas às escondidas da filha e o nosso namoro, enfim conseguiu nos pegar com a boca na botija.

Calma, camaradas, eu explico, não é isso que vocês estão pensando, apenas passeávamos olhando estrelas no céu. D. Ivone muito educada me comoveu demovendo-me da idéia de persistir no namoro. Disse-me que sua filha ainda era muito novinha, que eu também era e que simpatizava comigo, já me conhecia do meu freqüentar a rua e o cinema e que quando Tatí completasse 15 anos, aí sim já na festa de debutante, ela me autorizaria a cortejar e enfim namorar sua filha. Fizemos ali, os três, um pacto e um compromisso. Mas a vida é de viés e de revés e como eu não sabia o dia do aniversário de minha amada, a data enfim passou e minha cabeça também não colaborou me lembrando e quando eu vim saber de Taty ela já estava casada.

Saber essa notícia rendeu muita paixão, e desesperançado, conheci outras garotas e acabei casando com Mirtinha, uma namorada que me apaixonou também, mas desta forma tomei

essa decisão e tive nesse casamento, três filhos “divinos e maravilhosos”, a primeira coincidentemente, batizada de Tatiana, mas nego que tenha sido meu desejo homenagear Tatí, porém indiretamente foi e eu conto como isto aconteceu. Meu maior amigo, Mitinho, teve algum dia a felicidade de conhecer Barabadá e também se encantou com a sua beleza e sabedor da minha paixão por ela e tendo sido o obstetra que fez o parto de Tatiana, minha filha, logo após o nascimento bradou: ela vai se chamar Tatiana e Mirtinha apesar de muito ciumenta e em respeito ao médico parteiro, aceitou. Eu juro de pés juntos que esse não era o meu desejo, pelo meu gosto Tati se chamaria Rafaela.

Não escondo, entretanto que tive cascatas de paixão por Taty durante muitos anos. Sonhava com ela, suspirava por ela, ouvia músicas que lembravam dela, entre as quais o tema do filme Férias de Verão, chamado Pic Nic e sempre que podia, eu passava na Álvaro Adorno de carro como que buscando uma fortuita visão ou encontro casual com ela. Era puro, platônico esse amor.

Tanto tempo depois, reencontramo-nos numa escola de propriedade dela. Eu homem de teatro, sempre ligado à educação, ela pedagoga. Houve conversa em torno de projetos juntos, mas o que reacendeu-nos foi o fogo mútuo dos nossos tesões. Ela me contou que durante todo o tempo acompanhara meus passos como profissional de teatro, através da imprensa e na verdade ela sabia tudo de mim. Era 1979, o meu casamento e o dela já estavam bastante desgastados e começamos a sair pelas tardezinhas na orla de Salvador. Geralmente eu deixava o meu carro em algum lugar e seguíamos no carro dela, ambos fusquinhas. Ah, se nossos fuscas falassem?!...

Onde íamos? Comer acarajé em Itapuã e beber água de coco, depois fosse o que Deus e nós quiséssemos e eis os momentos que inspiraram a poesia Mergulho no Azul, algo mais soteropolitano que já pude criar escrevendo:

Itapuã realiza o milagre do azul

e transforma em melodia o batuque das águas.

Acarajé com pimenta, natural água de coco,

papo animado com baiana pele ônix,

coração brilhante!

Direção a Oxalá!

Assistir Amaralina,

amar Ondina,

aportar na Barra,

iluminar-se no Farol

- o Porto-pôr-do-sol merece reverência,

qualquer idioma, ideologia, crença.

Namorar morenas belas e/ou lourinhas, não menos!...

Sair-se-de-si, de marré-de-si, na marra!

Onda forte, maré mansa,

- sempre quentinha!

Um mergulho será recebido por Iemanjá

como gesto do mais-puro-amor...

e lavada a alma em água-de-cheiro,

misturar-se ao mulato, ao branco, ao negro, ao gringo, ao grego...

destilar poesia &canção, ritmo & corres...

e dores de orgásmicos amores

como parte de tempero do baiano e seus valores.

Mas no dia 31 de dezembro daquele mesmo ano deitei para dormir e tive um fantástico sonho. Estávamos, eu e ela num campo indescritivelmente lindo, gramado e florido qual um moderníssimo cemitério, sem catacumba, sem o clima pesado de um campo santo. Vestíamos túnicas brancas como gregas com grosso cordão dourado na cintura e uma coroa de flores, daquele mesmo jardim, na cabeça. Eu terminava de fazer duas alianças de uma espécie de fumaça fácil de modelar e custosa de dissipar e as colocava no meu e no dedo dela – o mesmo em que se põe no ato matrimonial. Olhávamo-nos muito profundamente dentro dos olhos e dizíamo-nos ao mesmo tempo: eu te amo!

De repente, uma voz temperada e em reverberação, vinda, eu não sei de onde, mas entre ondas de raios solares, dizia-nos: vocês não vão poder casar. Vocês são irmãos desde sempre e serão amigos para toda eternidade! Vocês estão entre os meus preferidos e têm uma missão nessa vida que estão vivendo. Peçam perdão um ao outro por terem infringido a lei da verdadeira fraternidade e amizade. Depois essa voz muito distante voltou a balbuciar quase em silêncio, mas permitindo-nos uma leitura labial: “Eu amo vocês, filhos”.

Acordei e permaneci deitado em minha cama, quase uma hora meditando sobre o sonho. Liguei para ela, confirmamos um encontro já marcado como sempre na parte da tarde no mesmo local de sempre e contei-lhe o que ocorrera na noite.

Ouvi dela que na mesma noite sonhara comigo um sonho diferente do meu, mas com a mesma mensagem e dali em diante e até hoje e para sempre seremos amigos eternos e sem resquício algum de remorso ou culpa pelo outro tipo de amor que também cometemos. Até porque esteve sempre escrito nos anais do inexplicável sentido da vida e que teríamos mesmo que resolver nesta vida!

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 21/01/2009
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