Repontando o tempo
Trazia os olhos cansados
De tanto contar os dias
E uma melena tordilha
Denunciando longa idade...
Pelas ruas da cidade
Lenço vermelho ao pescoço
Do tempo que era moço
Só ficou sonho e saudade...
Um tirador na cintura
De pardo, já bem surrado
Bombachinha de riscado
Com remendos feito a mão...
Mas por dentro o coração
Palpitava de alegria
E rua afora seguia
Cultuando sua tradição.
Quando era moço, quem sabe?
Foi peão, ou carreteiro
Ou um humilde changueiro
Foi o que logo pensei...
Mas uma coisa eu sei,
Em sua simplicidade
Havia mais dignidade
Que o mais nobre dos reis.
Agora os tempos são outros,
Potreiros viraram vilas
E, no tenteio de uns pilas
Só lhe restou ser gari...
Mas na alma era um guri
Faceiro, ainda me lembro
Foi num vinte de setembro
Que esta cena eu ví.
Pelas ruas ainda segue
Na minha São Gabriel
Varrendo sonhos ao léu
Povoando as madrugadas
Vassoura em punho, é guiada!
A repontar pensamentos
Pois quem já peleou com o tempo
Jamais refuga parada!