DIA NEGRO
O dia amanheceu branco e parado.
E umas vozes de homens a vagar
pelas brisas; uns sons desalmados;
uns cães amargos - pálidos - falavam
mal de tudo, só não dos cães amargos
que em suas entranhas mastigavam
restos de gente ensolarada: árduos
sons de ossos quebrando, murmurando
sob o sol encarnado e o rosto largo.
Ao lado, as crianças terminando
a vida, dando-a à vida morta
de nunca ser criança, caminhando
numa terra onde o inferno é a porta
de alívio e salvação - esta ilusão
que, se não nos engana, nos conforta.
Quem dera desligar-me o coração
e ter somente a mente: nada mais
que o cascalho da compreensão.
Assim, todo este dia, que nos faz
respirar como a noite clara e fria,
faria do nosso olhar longícuo mais
rocha - incapaz de ver o novo dia.