DIA NEGRO

O dia amanheceu branco e parado.

E umas vozes de homens a vagar

pelas brisas; uns sons desalmados;

uns cães amargos - pálidos - falavam

mal de tudo, só não dos cães amargos

que em suas entranhas mastigavam

restos de gente ensolarada: árduos

sons de ossos quebrando, murmurando

sob o sol encarnado e o rosto largo.

Ao lado, as crianças terminando

a vida, dando-a à vida morta

de nunca ser criança, caminhando

numa terra onde o inferno é a porta

de alívio e salvação - esta ilusão

que, se não nos engana, nos conforta.

Quem dera desligar-me o coração

e ter somente a mente: nada mais

que o cascalho da compreensão.

Assim, todo este dia, que nos faz

respirar como a noite clara e fria,

faria do nosso olhar longícuo mais

rocha - incapaz de ver o novo dia.

Júlio Miguel
Enviado por Júlio Miguel em 29/01/2009
Reeditado em 30/01/2009
Código do texto: T1411204
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