POSAR NUA PARA UM PINTOR
Picasso pediu
Que eu posasse nua
Num cenário imitando uma rua
E me pintou de perfil e de frente
E me pintou de lado e de costas
De cima e de baixo
Tudo
Depois juntou os pedaços
Numa monstruosidade superposta
Que ele disse ser cubismo
E que era tudo mas não era eu
Foi então que Salvador Dali
Entrou na sala
Aborrecido e criticando tudo
E quase me deixando sem fala
Pintou o meu corpo desnudo
Era um quadro de sonho e pesadelo
Um relógio quebrado e uma girafa
Pendurada numa árvore
Eu ali era nua apenas um detalhe
Nessa onírica composição
Estava ali a Ibéria enlouquecida
Mas o local era Mont-Martre
Onde segundo os profetas
Se construíra o esplendor da arte
Sai dali enrolada em alguns panos
E fui falar com Hemingway
Que estava mais bêbado do que nunca
E nem pensava na espingarda suicida
Ele vinha das touradas de Sevilha
Tyrone, Ava Gardner, Mel Ferrer
As Brigadas se perdiam lá nas brumas
Dobram os sinos na memória
Quem quiser
Paris estava escura no inverno
E fui me aconchegar no meu cubículo
Modigliane já fora sepultado
Com a suicida sem saber acompanhado.