E Me Chamam de Senhor

E agora me chamam de senhor.

O leiteiro, os panetoneiros,

os da esquina,

os de perto,

da dobra da avenida,

os que rastejam em veludo,

e olhe lá - até minha prima.

Me chamam por respeito,

sim senhor!

Chamam lá de senhor,

igual a um débil veleiro!

É senhor prá cá,

senhor prá lá,

digna mansão sem teto:

me rastro assim,

comedido e veraz,

é como me sinto,

quando me chamam

de senhor.

Não fundei igreja,

nem toco solo

em coral,

não sou santo,

e olhe,

pouco falta para

completar o meu cíclo

de todos pecados insanos.

Não sou por falta,

nem por devedura,

só não gosto,

e isso cheira a alfafa,

que me chamem de senhor

em plena primavera

de minhas 50 ardeduras!

As crianças já se acostumaram

a ver o sr. passar e chamam lá:

bom-dia, senhor!

Respondo agrário

no meu pensamento

cinquentenário:

mas sr. não sou!

E mesmo se fosse

não deixaria

tal sufoco passar

incólume,tal louvor!

Mas de nada adiantou

minha indignação suposital

deixar que me chamem

de senhor proposital!

Mas, assim, de levedura

em levedura,

vou deixando as coisas

igual a verdura:

amadurecer ou fenecer,

sei lá -

mas desde que não me chamem

de senhor.

Mas a coisa disparou

- o sr. senta! o sr, levanta!

- o sr. deita! o sr. suporta!

- o sr. é bom, mas cadê

a tal bengala?

E a vida passou,

digo eu com meus três

botões

- e elas são uma gracinha -

Maria, Joana e Sandra

todas elas, mas todas elas,

na hora do afoito doutor tocar

só me dizem - e bem pago -

você...você..vai bem

devagar!

E eu digo: sim senhora,

vou na trincheira do vago

mas elas não me chamam

de senhor

mas de você...bem devagar...

E, eu digo com meus botões

de puro carquejo,

se lá chamam de senhor,

tem hora na vida

que só cabe você,

é ai que elas esquecem o sr.,

e pedem pela graça do amor:

nós só queremos você..

José Kappel
Enviado por José Kappel em 23/04/2006
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