ETERNIDADE
(Acreditar no que dizem os cães é um tipo de loucura?...
Mas o que andam dizendo os cães?
Não têm voz, identidade...
O que andam dizendo os cães?
Um dia, enquanto alimentava o meu
e trocávamos umas palavras,
creiam, ele passou a dizer isto):
–– Há coisas mais difíceis que as difíceis de se entender...
Entre outros fatos, não consigo, por exemplo,
divisar o porquê deste: se o céu é tão bom
e os cães creem mesmo nisso,
por que é que até os professores da maior fé
têm a morte por inimiga?
(Francisco de Assis perdoe meu cão).
Por que a morte –– pobre morte –– é tão rejeitada,
se conduz a Deus?
(Nesse momento fiz para ele uma cara de quem não gostou,
e fui querendo sair de perto, quando vi o branco de suas presas
em sinal de repreensão para que eu ficasse mais um pouco.
E prosseguiu):
Diria que o medo da morte é prova inconteste
da falta de fé... (–– Pare! –– interrompi com um grito.
Franzi a testa e arregalei os olhos para ele, que me mostrou todos os dentes.
Foi adiante):
Acredite, o melhor mesmo é tirar o capuz e ter uma vida “bem vivida” aqui;
creditando a si e aos outros, valores que não queremos reconhecer como originalmente nossos.
(Perguntei que tipo de cão ele era, de onde veio... Parece que não ouviu. Atropelou-me a fala ):
Devia-se confiar mais na animalidade, que é de se crer: está só;
“investir” nela mesma por um mundo melhor,
e conformar-nos com nossa pobre eternidade;
nossa pobre eternidade rejeitada.
( Diante de tais palavras, fiz um afago em sua cabeça,
dei um suspiro profundo e... calei-me).