ETERNIDADE

(Acreditar no que dizem os cães é um tipo de loucura?...

Mas o que andam dizendo os cães?

Não têm voz, identidade...

O que andam dizendo os cães?

Um dia, enquanto alimentava o meu

e trocávamos umas palavras,

creiam, ele passou a dizer isto):

–– Há coisas mais difíceis que as difíceis de se entender...

Entre outros fatos, não consigo, por exemplo,

divisar o porquê deste: se o céu é tão bom

e os cães creem mesmo nisso,

por que é que até os professores da maior fé

têm a morte por inimiga?

(Francisco de Assis perdoe meu cão).

Por que a morte –– pobre morte –– é tão rejeitada,

se conduz a Deus?

(Nesse momento fiz para ele uma cara de quem não gostou,

e fui querendo sair de perto, quando vi o branco de suas presas

em sinal de repreensão para que eu ficasse mais um pouco.

E prosseguiu):

Diria que o medo da morte é prova inconteste

da falta de fé... (–– Pare! –– interrompi com um grito.

Franzi a testa e arregalei os olhos para ele, que me mostrou todos os dentes.

Foi adiante):

Acredite, o melhor mesmo é tirar o capuz e ter uma vida “bem vivida” aqui;

creditando a si e aos outros, valores que não queremos reconhecer como originalmente nossos.

(Perguntei que tipo de cão ele era, de onde veio... Parece que não ouviu. Atropelou-me a fala ):

Devia-se confiar mais na animalidade, que é de se crer: está só;

“investir” nela mesma por um mundo melhor,

e conformar-nos com nossa pobre eternidade;

nossa pobre eternidade rejeitada.

( Diante de tais palavras, fiz um afago em sua cabeça,

dei um suspiro profundo e... calei-me).

Antonio Leal
Enviado por Antonio Leal em 04/03/2009
Reeditado em 20/04/2009
Código do texto: T1468081
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