FUMAÇA MALDITA

CAPÍTULO XXXXIX

Em Amargosa, aos 11 anos, comecei a fumar. Coisa pro bem não se oferece assim em tenra idade e nem com tanta facilidade. Era um assédio permanente de amigos – “mui amigos!”. Fumar é chique, é coisa de homem, de galã de Hollywood e assim pus em meus lábios o primeiro Mistura Fina, de uma série infindável de outras marcas que durante muito tempo pareceram segurar minhas inseguranças.

Diversas vezes tentei parar de fumar e chegava até a ficar muitos dias com crises abstêmicas, segurava ao máximo a minha frágil capacidade de derrotar aquele filete branco, que tinha à sua frente uma brasa soltando fumaça e ao seu fundo, eu, um idiota, que se deixou derrotar por anos a fio!

Mas o que é quê, o amor à mulher amada e o amor paterno não fazem? E foi assim que Vera, grávida de Tarcila, à primeira vez que foi ao médico começar aquela série de exames pré-natais, ouviu de Dr. Jorge Sá, obstetra e pediatra naturista, defensor do parto natural aquático, a seguinte pergunta:

Verinha, você fuma? Pois se quiser fazer um bem enorme ao seu filho ou filha, deixe de fumar para sempre.

E ela me olhou como que me incriminasse porque eu também era fumante, a buscar justificativa e ao mesmo tempo apoio, mas nem precisou falar e o Dr. Jorge olhando para mim, completou: você também fuma, Peltier? E eu respondi; se for para o bem de todos e felicidade geral, sobretudo, das duas, eu largo agora!

À noite fomos levar Márcio de Souza, aquele um, irmão de Maurício, o pai da Turma da Mônica, no aeroporto de Salvador, de volta a São Paulo. Ah, eu esqueci de dizer que eu e Vera trabalhávamos como representantes da Maurício de Souza Produções Ltda., sucursal baiana e nordestina dos shows da turminha mais querida dos gibis e palcos brasileiros, quiçá do planeta. Márcio era fumante hollywoodiano inveterado e durante o caminho ele me fazia parar o fusquinha branco em cada barraca ou bodega em busca do cigarro que propagava o slogan “ao sucesso!”, até que, para não ficar sem dar as talagadas tragadas de fumaça venenosa, comprou Carlton. Quando chegamos no aeroporto, nosso amigo, parceiro e hoje cumpádi e padrinho dessa mesma filha, enfim, encontrou a sua marca de preferência. Comprou logo um maço – pacotes com dez carteiras de Hollywood e nos deu o Carlton comprado no caminho, ainda cheio. Coloquei a carteira no bolso e voltamos, eu e Vera, pelo mesmo caminho. Mal cruzamos os últimos bambus que fazem um magnífico túnel na saída do aeroporto e quase sem sentir, haja vista, o péssimo hábito, tirei dois cigarros, passando um pra Verinha e encostando o isqueiro aceso para acendê-los, incontinente, veio-me à memória a fala grave de Dr. Jorge e a minha promessa de deixar o vício. Não contei conversa e tomei o cigarro da mão de Vera e o meu, enfiei-os de volta à carteira e atirando-a na estrada. Graças a Deus, pra nunca mais fumar! Vera, também. Mas é duro, foi um sofrimento.

Durante muitos anos sonhava, e ainda, embora raras vezes, sonho dando tragadas deliciosas, soltando a fumaça em forma de espirais. Deixamos mesmo de fumar. Bem, dos males o menor: sonhar fumando nada prejudica! Tenho dito.

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 10/03/2009
Reeditado em 13/03/2009
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